A ciência (do latim scientia, conhecimento) é historicamente uma atividade filosófica, e foi durante muito tempo um exercício especulativo visando elucidar os mistérios do universo através do exercício da razão. No final da Idade Média, a ciência rompeu gradualmente com as garras da teologia e da filosofia. No decorrer de sua história, foi estruturada em disciplinas científicas: matemática, química, biologia, física, mecânica, óptica, astronomia, economia, sociologia, dentre várias outras áreas.
Hoje, a ciência designa tanto uma abordagem intelectual, baseada num exame racional e metódico do mundo e de suas necessidades, visando produzir um conhecimento resistente à crítica racional, e o corpo organizado desse conhecimento.
Propor uma definição de ciência é adotar um ponto de vista particular: a ideia de definir a ciência é, muitos acreditam, impossível. De fato, este tipo de exercício deve ser feito com muita cautela. Alan Chalmer, após examinar as principais teorias da ciência no século XX, escreve que “não existe uma concepção eterna e universal da ciência […] Não há nada que nos autorize a incorporar ou rejeitar o conhecimento com base na conformidade com qualquer critério dado de cientificidade”. Tendo também observado que nenhum dos critérios de demarcação sugeridos pelos epistemólogos do século XX ganhou consenso geral, Robert Nadeau escreve que “não se pode aparentemente formular um critério que exclua tudo o que se quer excluir, e retenha tudo o que se quer reter”.
A definição proposta acima obviamente não escapa a esta observação. Assim, não somente um certo “dogmatismo” não está ausente do processo científico, mas também faz parte de seu bom funcionamento. As referências à razão e ao método também são altamente questionáveis quando examinamos as práticas concretas dos pesquisadores. A própria ideia de produção do conhecimento é problemática: muitos campos reconhecidos como científicos não produzem conhecimento, mas instrumentos, máquinas, dispositivos técnicos.
Entretanto, isto não significa necessariamente, como Paul Feyerabend escreve, que “a ciência está muito mais próxima do mito do que a filosofia científica está disposta a admitir”. Um sociólogo como Raymond Boudon usa a noção de ares familiares para criticar a ideia de que a ausência de definições claras da ciência leva necessariamente ao relativismo: “as conclusões só são válidas graças ao a priori segundo o qual qualquer sentimento de distinção deve corresponder a uma distinção objetiva ou social. Por outro lado, elas desaparecem quando se admite que as noções de “progresso“, “objetividade“, “verdade“, “ciência” […] se materializam de mil maneiras entre as quais só existem semelhanças familiares.”
Esta situação, continua Raymond Boudon, não é peculiar à noção de ciência ou às noções a ela ligadas: “mesmo um conceito como ‘ouro’, que no entanto parece designar uma matéria bem definida (como dizemos), não corresponde de forma alguma, mesmo em seus usos científicos, a uma definição fixa […]. As noções de “romance”, “tragédia”, “drama”, “ópera wagneriana”, “sociologia”, “economia”, “romantismo”, “função”, “estrutura” também são palavras desta natureza. Isto não impede que “possamos em muitos casos utilizá-las com total segurança. Uma compreensão das semelhanças familiares da ciência nos permitiria assim compreender o significado desta noção sem mais – ou menos – dificuldade do que a de “romance” ou “drama”. São estas semelhanças familiares que a definição proposta acima tenta captar de forma desajeitada para a noção de ciência.