É possível que o núcleo interno da Terra seja preenchido com uma substância misteriosa que não é nem sólida nem líquida, de acordo com um novo estudo.
O núcleo da Terra é a parte mais profunda do nosso planeta, caracterizada por uma pressão e temperatura extremamente altas. O núcleo interno forma-se e cresce devido à solidificação do ferro líquido no limite interno do núcleo. É menos denso que ferro puro, e acredita-se que alguns elementos leves estejam presentes nele, constituindo a substância misteriosa que está sendo estudada pelos pesquisadores.
Por mais de meio século, os cientistas acreditavam que essas profundezas terrestres consistiam num núcleo fundido rodeando uma esfera de liga de ferro densamente comprimida. Contudo, a nova pesquisa, publicada no último dia 9 na revista Nature, oferece uma visão inovadora sobre a estrutura interna do planeta, que é bem mais diferente do que pensávamos.
A substância misteriosa apresentada no estudo
A pesquisa em conjunto liderada pelo professor Yu He, do Instituto de Geoquímica da Academia Chinesa de Ciências descobriu que o núcleo interno da Terra não é composto de um sólido normal, mas de uma sub-rede sólida de ferro e elementos leves semelhantes a líquidos, o que pode ser determinado como um estado superiônico.
“Descobrimos que o hidrogênio, oxigênio e carbono no ferro hexagonal compacto se transformam em um estado superiônico sob as condições do núcleo interno, mostrando altos coeficientes de difusão, como um líquido. Isso sugere que o núcleo interno pode consistir de um estado superiônico ao invés de um estado normal de líquido”.
É impossível acessar o núcleo através de uma sonda, então os cientistas recorreram a uma simulação. Uma compilação de dados sísmicos foi colocada em um programa computacional avançado, criado para recriar os efeitos das pressões e temperaturas extremas do núcleo em uma variedade de elementos centrais prováveis, como ferro, hidrogênio, oxigênio e carbono.
Num sólido comum, os átomos se organizam em redes repetitivas, mas a simulação sugere que no núcleo terrestre, os átomos se transformam em uma liga superiônica – uma estrutura de átomos de ferro em torno da qual os outros elementos, impulsionados por poderosas correntes de convecção, são capazes de nadar livremente.
“É bem anormal”, disse Ye Hu. “A solidificação do ferro na borda do núcleo interno não muda a mobilidade desses elementos leves, e a convecção dos elementos leves é contínua dentro do núcleo interno”.
A simulação realizada para analisar o núcleo interno
Os pesquisadores calcularam as velocidades sísmicas nessas ligas de ferro e descobriram uma diminuição significativa das ondas de cisalhamento. “Nossos resultados correspondem bem com as observações sismológicas. São os elementos semelhantes a líquidos que fazem o núcleo interno amolecer”, disse o coautor principal, Sun Shichuan.
Se a simulação for correspondente à realidade, o movimento constante dos materiais superiônicos pastosos poderia ajudar a entender o motivo da estrutura do núcleo interno aparentemente mudar tanto ao longo do tempo, e até mesmo como as poderosas correntes de convecção responsáveis por criar o campo magnético da Terra são formadas.
Antes disso, contudo, o modelo terá que ser provado.
“Vamos ter que esperar até que as configurações experimentais estejam aptas a replicarem as condições do núcleo interno e examinar minuciosamente os modelos propostos. Então, veremos qual dos modelos são físicos”, Hrvoje Tkalčić, chefe de sismologia e geofísica matemática da Universidade Nacional Australiana em Camberra, não envolvido no estudo, comentou.
“Enquanto isso, a sismologia global está progredindo, com mais sondas sismológicas ficando disponíveis rapidamente, e esperamos limitar alguns dos parâmetros-chave e determinantes dos modelos geofísicos do núcleo interno na próxima década”, concluiu.