Tartaruga marinha prevê erupção antes dela ocorrer

Dominic Albuquerque

Dez semanas atrás, duas tartarugas marinhas verdes foram soltas na costa da Austrália, carregando rastreadores por satélite em seus cascos. Uma delas imediatamente prosseguiu por 47 dias quase diretamente para Tonga, um país formado por um conjunto de ilhas polinésias.

Então, repentinamente, a tartaruga marinha deu a volta e fugiu de lá.

No dia seguinte, o vulcão Hunga Tonga-Hunga Ha’pai entrou em erupção, causando um tsunami e chuva de cinzas que devastou as ilhas vizinhas.

Jennifer Gilbert, do Cairns Turtle Rehabilitation Center (CTRC), disse em entrevista que seria “especulação” afirmar que a tartaruga marinha, Tilly, sabia o que estava acontecendo, ainda que o tracejar da sua jornada não pareça nem um pouco uma coincidência. E mais além, enquanto ela voltava na direção da Grande Barreira de Coral Australiana, um pequeno terremoto atingiu o norte do estado de Queensland, Austrália.

Não foi o suficiente para causar danos, mas coincidiu com um novo desvio de Tilly.

A vida e trajetória de Tilly, a tartaruga marinha

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Tilly, a tartaruga marinha que surpreendeu cientistas. Imagem: Christian Miller/Cairns Turtle Rehabilitation Center

A história de Tilly começa quando voluntários estavam checando a frequência de sucesso em um ninho de tartarugas, três anos atrás. A observação foi de que a maioria sequer sai dos ovos, ou conseguem realizar a travessia tortuosa até os mares. Nessa ocasião, dois filhotes recém-saídos dos ovos estavam exaustos das tentativas falhas de escalar até a superfície da areia, e teriam morrido se não fosse a intervenção dos voluntários.

Os dois foram levados até o CTRC, sendo nomeados Tilly e Sammy, ainda que o sexo dessas tartarugas não possa ser identificado até elas terem pelo menos 20 anos de idade. Segundo Gilbert, era difícil de prever se elas sobreviveriam.

Eventualmente, ambas se desenvolveram.

É comum que tartarugas resgatadas sejam soltas quando alcançam 45cm, mas quando isso aconteceu, o COVID-19 impediu que viagens fossem feitas até a plataforma continental, onde elas costumam ser libertas.

Quando a soltura ocorreu, as tartarugas gêmeas tinham três anos e um tamanho consideravelmente maior, permitindo que o CTRC colocasse rastreadores eficientes nelas. Até mesmo antes da erupção, Gilbert achava que isso traria um bom uso científico. Uma tartaruga marinha que sobrevive sua jornada pelas águas rasas costuma dirigir-se para a plataforma continental, deixando de se aproximar da costa até que possuam dentre 5-10 anos.

“São os anos perdidos”, disse Gilbert. “Não sabemos de fato o que elas fazem então”.

Os pesquisadores certamente não esperavam que uma tartaruga marinha de três anos iria direto para águas profundas, aparentemente numa jornada em direção a corais a milhares de quilômetros de distância, ao invés de prosseguir para a Grande Barreira de Corais Australiana.

“Essas águas estão cheias de predadores”, Gilbert disse. “Ela estava definitivamente indo para as Ilhas Salomão ou Nova Caledônia, mas não sabemos o motivo”.

O fato de que Tilly percorreu 3.000km em 73 dias surpreendeu a pesquisadora.

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A jornada de Tilly pode ser assistida em tempo real no reeftrack. A volta em formato de u bem antes da erupção, e a mudança em 90 graus coincidindo com o terremoto de Queensland são ambos bem visíveis. Imagem: Citizens of the Great Barrier Reef.

Infelizmente, o rastreador de Sammy parou de funcionar 10 dias após ele ser solto, o que poderia significar um mal funcionamento do dispositivo, ou um encontro infeliz com um tubarão. O CTRC não tinha outras tartarugas rastreadas na área durante o ocorrido, então não sabemos se outras tartarugas prescientes estavam presentes no contexto.

O acontecido fez com que Gilbert decidisse estudar o fenômeno.

“Não há nada feito sobre tartarugas e detecção sísmica até então”, disse ela. Por outro lado, a cientista relatou que estudos científicos já registraram as capacidades de baleias, golfinhos, focas e até mesmo cabras em detectar atividade sísmica antes dela ocorrer. É provável, então, que Tilly tenha sido acompanhada por outras criaturas em sua jornada de retorno.

Contudo, não seria possível usar uma tartaruga marinha como dispositivo de previsão.

“Você não pode dizer a uma tartaruga para onde ir, ou sequer prever o que ela vai fazer. Elas pensam por si mesmas”, explicou a pesquisadora.

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