Único mamífero de sangue frio conhecido no mundo foi uma espécie de cabra

Daniela Marinho
Imagem: Reprodução/DeviantArt/WillemSvdMerwe

Enquanto os répteis buscam o calor do sol para regular sua temperatura, os mamíferos, incluindo os que habitam o mar, dependem da ingestão regular de alimentos para obter a energia necessária e manter uma temperatura interna constante – esta é a diferenciação básica e primordial entre os animais de sangue quente e os de sangue frio. Contudo, um mamífero, em uma ilha mediterrânica com recursos limitados, realizou uma proeza extraordinária ao desafiar esse padrão, tornando-se o único mamífero de sangue frio conhecido no mundo. E mais – com uma aparência um tanto familiar.

Mamífero de sangue frio – ou espécie anã

Uma espécie de mamífero de sangue frio extinta há muito tempo, conhecida como Myotragus balearicus, percorreu a terra que uma vez conectou as Ilhas Baleares à Europa continental. Estabelecendo-se na ilha de Maiorca à medida que as Ilhas Baleares foram cercadas pelo mar, essas cabras adaptaram-se às condições isoladas e passaram por mudanças morfológicas importantes para sobreviver.

Apesar de terem apenas 45 centímetros de altura, esses animais experimentaram modificações em suas características físicas, incluindo membros mais curtos, cérebro menor e órgãos dos sentidos reduzidos, evoluindo efetivamente para uma espécie anã.

Curiosamente, essas cabras são reconhecidas por possuírem uma estrutura óssea semelhante à encontrada em répteis, o que significa uma descoberta bastante interessante e diferente, visto se tratar de um mamífero de sangue frio.

Histologia óssea

Os répteis são conhecidos por seu crescimento lento e pela capacidade de regular ou até interromper completamente seu desenvolvimento com base na disponibilidade de recursos.

A capacidade de desacelerar ou cessar periodicamente a taxa de crescimento deixa evidências nos ossos dessas espécies, destacando a incrível capacidade de adaptação e sobrevivência dessas cabras antigas em um ambiente desafiador.

Ao analisar a histologia óssea da cabra extinta o mamífero de sangue frio, os cientistas identificaram tecidos na zona lamelar, os quais, até então, só haviam sido associados a répteis ectotérmicos.

Ao comparar os ossos dessas cabras com os de crocodilos, notaram significativas semelhanças, incluindo a capacidade de manter taxas de crescimento lentas e flexíveis, chegando até a interromper completamente o processo de crescimento.

Surpreendentemente, M. balearicus alcançava a maturidade em torno dos 12 anos, em marcado contraste com uma espécie comum de cabra, que pode atingir a maturidade sexual antes dos 9 meses, conforme indicado no Manual Veterinário MSD.

A pesquisa também aponta para a hipótese de que esse mamífero de sangue frio extinto levava um estilo de vida mais lento se comparado às espécies convencionais de cabras modernas que conhecemos.

Ao invés de realizar atividades ágeis, como correr e saltar sobre as rochas da ilha, essas cabras provavelmente passavam mais tempo ao sol, adotando um ritmo mais tranquilo em suas atividades diárias.

Problema de observar apenas os ossos

mamifero de sangue frio
Reconstrução mostra como poderia ser a aparência de Myotragus balearicus.
Imagem: Xavier Vázquez via Wikimedia Commons (domínio público)

É importante afirmar que examinar exclusivamente os ossos suscita debates, pois nas espécies de sangue frio ou ectotérmicas, os ossos geralmente consistem em osso lamelar de crescimento lento.

No entanto, ossos fibrolamelares de crescimento rápido, comumente associados a espécies de sangue quente, foram identificados em dinossauros e aves. Os pesquisadores ponderam a possibilidade de existir uma terceira condição intermediária entre o perfil completamente de sangue quente ou totalmente de sangue frio.

Desse modo, a cabra anã M. balearicus se destaca como um modelo de estudo, especialmente devido à ausência de predadores naturais na ilha em que habitava.

Numa Maiorca carente de recursos, esse mamífero de sangue frio desenvolveu características semelhantes às dos répteis, possibilitando sua sobrevivência ao longo de impressionantes 5,2 milhões de anos, mais que o dobro do tempo observado nas espécies continentais.

Entretanto, o desenvolvimento dessas características, infelizmente, não foi suficiente para a sobrevivência dessas únicas espécies de mamíferos de sangue frio no mundo, uma vez que sucumbiram à chegada dos humanos à ilha, cerca de 3.000 anos atrás.

Esse evento, combinado com a diminuição das plantas de sua preferência, provavelmente desencadeou a extinção dessas criaturas peculiares.

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