Muito se fala sobre a domesticação dos cães como um marco na história dos seres humanos. No entanto, nenhum outro animal teve um impacto mais significativo nas sociedades humanas do que o cavalo. O curioso é que ainda é um mistério como e quando as pessoas começaram esse processo.
Desse modo, há mais de 500 mil anos, os primeiros humanos caçavam cavalos com lanças de madeira e usavam seus ossos como ferramentas. Mais tarde, no Paleolítico, há cerca de 30 mil anos, cavalos selvagens foram muito retratados em pinturas rupestres da Eurásia.
Após serem domesticados, tornaram-se fundamentais para a vida nas estepes da Ásia e, com invenções como a carruagem e a sela, tornaram-se essenciais para o transporte, comunicação, agricultura e guerra. Com o tempo, os cavalos se espalharam por quase todas as regiões, mudando ecossistemas e sociedades.
Hipótese sobre a domesticação dos cavalos
Ao longo da história, muitas regiões foram consideradas como possíveis locais onde os cavalos foram domesticados, incluindo Europa, Arábia Saudita, China e até as Américas.
Contudo, a hipótese mais aceita é a teoria Kurgan, que propõe que, por volta de 4.000 a.C., os Yamnaya, que viviam nas estepes da Ásia Ocidental e do Mar Negro, conseguiram montar cavalos, o que facilitou grandes migrações e ajudou a espalhando as culturas e línguas indo-europeias.
As evidências que apoiam essa teoria vêm da arqueozoologia. Estudos recentes mostram que a domesticação de cavalos pode ter começado com a cultura Botai, no Cazaquistão, onde grandes detalhes de ossos de cavalo foram encontrados em sítios destruídos datados de 4.000 a.C.
Arqueólogos também encontraram vestígios de antigos cercados e fragmentos de leite de cavalo em fragmentos de cerâmica, o que sugere que os animais eram domesticados.
A prova mais concreta veio da análise dos dentes dos cavalos Botai, que apresentavam sinais de desgaste provocados pelo uso de rédeas, mostrando que eles eram montados.
Isso reforçou a ideia de que a domesticação ocorreu no norte do Cazaquistão por volta de 3.500 a.C., mantendo a hipótese de Kurgan plausível. O impasse é que alguns detalhes da cultura Botai não se alinham completamente.
Questão cada vez mais contraditória
Tentar desvendar o processo de domesticação do cavalo tem gerado debates crescentes na arqueologia e até contraditórios, sobretudo nos últimos anos.
Em 2023, por exemplo, arqueólogos observaram que certos problemas nos quadris e pernas de esqueletos encontrados em sepulturas Yamnaya e no leste da Europa se assemelhavam aos de cavaleiros, o que apoia a hipótese Kurgan.
Entretanto, essas lesões também podem ter sido causadas por outros meios de transporte animal, como carroças puxadas por gado, que foram igualmente encontradas em sítios da era Yamnaya.
Diante dessas evidências contraditórias, como interpretar corretamente essas descobertas? Uma nova resposta pode estar mais próxima. Em junho de 2024, um estudo genômico dos primeiros cavalos da Eurásia, publicado na revista Nature, revelou que os cavalos Yamnaya não eram os ancestrais diretos dos primeiros cavalos domesticados, conhecidos como DOM2.
Ademais, esses cavalos Yamnaya não apresentavam sinais genéticos de controle reprodutivo, como evidências de endogamia. Os cavalos DOM2 surgiram pouco antes de 2000 a.C., bem depois das migrações dos Yamnaya e pouco antes do aparecimento dos primeiros registros arqueológicos de sepultamentos de cavalos e carruagens.
As estepes do Mar Negro
Atualmente, as evidências sugerem que a domesticação dos cavalos provavelmente ocorreu nas estepes próximas ao Mar Negro, mas em um período mais recente do que o proposto pela hipótese Kurgan. O domínio humano sobre os cavalos parece ter se intensificado pouco antes da rápida expansão de cavalos e carruagens por toda a Eurásia, no início do segundo milênio a.C.
O estudo mais recente levantou alguns dados curiosos relacionados à cultura Botai, especialmente no que diz respeito às estimativas de tempo de geração – o intervalo médio entre uma geração de animais e seus descendentes.
Essas flutuações podem indicar que o povo Botai mantinha cavalos selvagens de Przewalski em cativeiro, mas possivelmente apenas para a produção de carne, sem utilizá-los como meio de transporte.