Cientistas mapeiam matéria escura em uma resolução sem precedentes

A matéria escura é tão importante quanto misteriosa.

Felipe Miranda
Imagem: Getty Images

Com a luz de uma galáxia distante, uma equipe de cientistas conseguiu mapear a distribuição de matéria escura ao longo de uma pequena área do espaço.

Os pesquisadores japoneses, liderados pelo professor Kaiki Taro Inoue, da Universidade de Kindai, utilizaram dados do radio-obervatório ALMA (Atacama Large Millimeter/submillimeter Array), localizado no deserto do Atacama, no Chile, para estudar um sistema de lentes gravitacionais chamado de MG J0414+0534. O sistema está localizado nas proximidades da constelação de Touro.

O estudo foi publicado pelos pesquisadores em um artigo de acesso aberto no periódico The Astrophysical Journal.

A matéria escura

Sabemos que a matéria escura exerce grande influência sobre o universo. Sem ela, não conseguiríamos explicar como galáxias permanecem unidas, por exemplo. Entretanto, é extremamente difícil modelar a influência da matéria escura em escalas menores (astronomicamente falando, já que essas escalas “menores” ainda são imensas para nós).

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Diagrama conceitual do sistema de lentes gravitacionais MG J0414+0534. Imagem: NAOJ, K. T. Inoue.

Não sabemos exatamente o que é a matéria escura, nem conseguimos detectá-la. Só sabemos que ela existe por seu importante efeito gravitacional. Na Via Láctea, há cerca de 10 vezes mais matéria escura do que a matéria “comum, “comum”, que conhecemos. 27% do universo é composto por matéria escura e 68% por energia escura. Somente 5% é energia e matéria que vemos, tocamos e interagimos.

“O modelo de matéria escura fria (MDL) tem sido bem sucedido em explicar estruturas em escalas >1 Mpc. No entanto, nas escalas <1 Mpc (Megaparsecs), persistem discrepâncias entre teoria e observação. Em particular, o número observado de galáxias anãs dentro de uma galáxia do tamanho da Via Láctea (MW) é muito menor do que o número teoricamente previsto de subhalos que hospedariam galáxias anãs”, diz a equipe na introdução do artigo que explora as observações.

Vale explicar sobre os megaparsecs, para se ter ideia das escalas faladas. O megaparsec (Mpc) é uma unidade de medidas astronômicas. 1 Mpc equivale a cerca de 3,26 milhões de anos-luz. Um ano luz é a distância em que a luz percorre em um ano. Logo, 1 Mpc equivale a cerca de 30.000.000.000.000.000.000 quilômetros.

Mapeando a matéria escura

Analisando o aglomerado de galáxias já citado, o MG J0414+0534, ou mais especificamente, o quasar MG J0414+0534, localizado a 11 bilhões de anos-luz de distância da Terra e um dos membros do aglomerado, os pesquisadores obtiveram quatro imagens, conforme a luz passa pelo corpo extremamente massivo, é distorcida, ampliada e é, pelo efeito gravitacional, dividida em quatro imagens, cada uma com um ângulo diferente.

Um quasar é uma dupla formada por uma galáxia e um buraco supermassivo que se alimenta por ela. Essa relação libera uma quantidade exorbitante de energia.

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A imagem apresenta o mapeamento das flutuações da matéria escura no sistema de lentes MG J0414+0534. Imagem: ALMA (ESO/NAOJ/NRAO), K. T. Inoue et al.

Ao analisar a luz distorcida, os pesquisadores conseguiram mapear as curvas do espaço-tempo, ou seja, o efeito da gravidade causado pelo buraco negro, pela galáxia e pela matéria escura. Ao retirar os efeitos da massa comum das imagens, eles obtiveram o mapa da matéria escura entre a Terra e o quasar e as flutuações da matéria escura pela região.

Com isso, eles conseguiram uma precisão sem precedentes no mapeamento da matéria escura: 30 mil anos-luz. Isso é uma resolução incrível para a observação da matéria escura, já que seus efeitos são percebidos em áreas maiores, e isso é uma área pequena, em termos astronômicos.

O estudo ajuda, ainda, a formular ainda melhor a hipótese da matéria escura fria. Dizer que a matéria escura é fria é dizer que ela se movimenta lentamente, o que pode explicar melhor porque ela se aglomera pelo universo, e não possui uma distribuição uniforme.

“Acho que alguns modelos de matéria escura quente são descartados pelo nosso resultado, mas precisamos de uma análise mais cuidadosa”, diz Inoue, líder do estudo, ao portal Inverse. “Se pudermos restringir os modelos de matéria escura quente com boa precisão, podemos dizer que a matéria escura não é quente e, portanto, deve ser fria”.

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