Linguistas decifram uma linguagem enigmática esquecida há séculos

Milena Elísios
Imagem: Bobomullo Bobomulloev

Por séculos, a enigmática escrita Kushan intrigou e confundiu estudiosos. Essa antiga forma de escrita, rabiscada em paredes rochosas nas colinas da Ásia Central, finalmente começou a ser revelada graças ao estudo, publicado na revista Transactions of the Philological Society, de uma equipe da Universidade de Colônia. Essa escrita misteriosa foi encontrada em vários locais do Tadjiquistão, Afeganistão e Uzbequistão.

A escrita Kushan era utilizada entre aproximadamente 200 a.C. e 700 d.C. pelos povos nômades da estepe eurasiana, como os Yuèzhī e os governantes da dinastia Kushan. Os Kushans deixaram um legado significativo ao espalhar o budismo pela Ásia Central e China, além de criar obras de arte impressionantes e fortalezas imponentes.

Recentemente, os linguistas fizeram um avanço importante na compreensão dessa antiga linguagem ao decifrarem uma inscrição bilíngue encontrada no Tadjiquistão, que apresentava textos escritos em bactriano e na escrita Kushan. Além disso, outra inscrição trilíngue no Afeganistão ajudou na decifração, pois continha textos em Gandhari (ou indo-ariano médio), bactriano e escrita Kushan.

O método utilizado pelos pesquisadores para decodificar essa linguagem enigmática foi semelhante ao empregado para decifrar a Pedra de Roseta. A pedra, datada de 196 a.C., continha um decreto escrito em três idiomas: antigos hieróglifos egípcios, escrita demótica e escrita grega. Como os estudiosos ainda conseguiam entender o grego antigo, a Pedra de Roseta se tornou uma chave valiosa para desvendar os hieróglifos egípcios.

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Escrita Kushan no Tajiquistão. Imagem: Bobomullo Bobomulloev

No caso da escrita Kushan, o avanço ocorreu quando os pesquisadores notaram que o nome Vema Takhtu aparecia nos textos paralelos bactrianos e também na escrita Kushan. Além disso, o título “Rei dos Reis” foi identificado nas seções correspondentes dessa escrita enigmática. Com base nesses achados, os linguistas puderam observar sequências de caracteres específicas e até mesmo descobrir as qualidades fonéticas de alguns caracteres individuais, incluindo 15 sinais consonantais diferentes e quatro diacríticos vocálicos.

Embora ainda não se saiba o significado preciso dessas mensagens decifradas, os pesquisadores afirmam que seu trabalho ajudou a esclarecer a história linguística obscura desta região da Ásia Central. Eles argumentam que a escrita Kushan registrou uma língua iraniana média completamente desconhecida, chamada por eles de “Eteo-Tocharian”. Essa língua provavelmente serviu como intermediária no desenvolvimento do bactriano para o khotanês Saka, uma língua antiga do oeste da China.

Além disso, é possível inferir que essa linguagem recentemente decifrada foi uma das línguas oficiais do Império Kushan, juntamente com o bactriano, o gandhari/indo-ariano médio e o sânscrito. Essa descoberta traz novas perspectivas para a compreensão da língua e da história cultural da Ásia Central e do Império Kushan, comparável à importância da decifração dos hieróglifos egípcios ou dos glifos maias para a compreensão do antigo Egito ou da civilização maia.

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