Um dos documentários mais conhecidos e aclamados sobre a crise do plástico é “A Plastic Ocean”, lançado em 2016, dirigido por Craig Leeson e produzido por Jo Ruxton. A obra explora os efeitos do plástico nos oceanos do mundo, desde os seus impactos ambientais até os impactos na saúde humana. Nesse contexto, uma cientista encontrou um sinal perturbador na Ilha de Trindade: rochas de plástico.
A Ilha de Trindade é um dos lugares mais isolados do mundo, consiste num afloramento vulcânico e fica a uma viagem de 4 dias de barco saindo da costa brasileira – 1.140 km do litoral Atlântico.
Geóloga brasileira descobre rochas de plástico
Fernanda Avelar Santos, doutoranda e geóloga formada pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) encontrou rochas formadas por sedimentos de plástico na Ilha de Trindade em sua terceira visita científica.
Embora a descoberta tenha sido inédita no Brasil, as rochas de plástico já foram descritas em outros estudos. O primeiro relato foi no Havaí (EUA) e, desde então, também foram relatados na costa de Cornualha (Inglaterra), na costa do Mar Interior de Seto (Japão), na ilha do Giglio (Itália), na ilha da Madeira (Portugal) e na costa do Peru.
Desse modo, a descoberta revelou a ocorrência de rochas idênticas às naturais, mas compostas por material plástico originário de redes de pesca abandonadas ou levado do litoral brasileiro pelas correntes marítimas. O estudo foi publicado no periódico Marine Pollution Bulletin, da plataforma ScienceDirect, revista integrante do grupo Elsevier.
O plástico forma rochas híbridas
Parece até fascinante, mas o plástico altera a biodiversidade do ambiente e a formação das rochas, o que pode levar a fenômenos ainda não estudados, como é o caso das próprias rochas de plástico. Dessa forma, a cientista explica porque os detritos plásticos são chamados de rochas:
Verificamos que o universo de detritos encontrado na ilha tem aparência, consistência e solidez semelhante às rochas naturais. As formas plásticas que encontramos são de detritos formados pela fusão de material plástico e sedimentos naturais, como areia, cascalhos, rochas vulcânicas e materiais biogênicos. Elas foram encontradas na superfície da praia, na região entre marés, onde é recorrente a concentração de poluição plástica proveniente do mar. O processo de formação de uma rocha a partir da poluição marinha é rápida e depende de três etapas, nas quais o ser humano atua como principal agente geológico, que são: disponibilidade de lixo plástico no ambiente marinho e costeiro (principalmente cordas de pesca), arranjo e deposição do lixo em um local da praia (quando as pessoas juntam o lixo) e aumento da temperatura do ambiente por meio de fogo (como as fogueiras) que derrete o plástico. O plástico derretido se funde com os sedimentos da praia formando cimento plástico e, consequentemente, estas rochas. Com isso, podemos denominar este fenômeno como rochas híbridas, equivalentes às naturais, que participam da dinâmica natural da praia como produtos da ação humana.
Impacto humano na paisagem intocada
A Ilha de Trindade é uma área protegida e reconhecida pelo poder público como um local de valor científico, histórico, cultural, ecológico e estético importante. Dessa forma, é considerada como um Monumento Natural do Brasil.
As rochas de plástico foram descoberta próximas de uma região de ninhos de tartaruga-verde. Além disso, a ilha é habitat natural de aves marinhas, caranguejos e abriga um ecossistema frágil e único que inclui espécies endêmicas de peixes e diferentes conjuntos recifais.
Santos descreve a ilha “como o paraíso”, visto sua beleza e afastamento. A única presença humana na ilha do Atlântico Sul é uma pequena base militar brasileira e um centro de pesquisas científicas. Se por um lado, ela desempenhou o seu papel enquanto cientista e pesquisadora, relatou que também a entristeceu fazer tal descoberta. “Portanto, foi ainda mais horrível encontrar algo assim – e em uma das praias ecologicamente mais importantes”, disse ela.
A região apresenta formações geológicas e habitats únicos que precisam ser preservados. Contudo, Santos e sua equipe identificaram os espécimes como um novo tipo de formação geológica, fundindo os materiais e processos que a Terra usou para formar rochas por bilhões de anos com um novo ingrediente: lixo plástico.
“Concluímos que os seres humanos estão agora atuando como um agente geológico, influenciando processos que antes eram completamente naturais, como a formação de rochas”.