Grande mancha de lixo do Pacífico se tornou um ecossistema, segundo cientistas

Elisson Amboni

Em 2019, o nadador francês Benoit Lecomte nadou mais de 300 milhas náuticas através da grande mancha de lixo do Pacífico com o objetivo de gerar consciência sobre a contaminação de plástico nos mares.

Em sua travessia, surpreendeu-se ao ver que não estava sozinho. O nadador comentou que, “cada vez que via um resíduo de plástico flutuante, havia vida ao seu redor”.

A mancha era como uma sopa de garrafas de plástico, redes de pesca, pneus e escovas de dentes. E em sua superfície flutuavam dragões-azuis, caravelas-portuguesas e outros pequenos animais que vivem na superfície marinha, conhecidos coletivamente como neuston.

Os cientistas a bordo do barco que acompanhava a travessia apanharam amostra das águas superficiais da grande mancha de lixo do Pacífico. A equipe descobriu que havia uma concentração muito maior de neuston dentro da mancha do que fora dela. Em algumas partes da mancha, havia quase tanto neuston quanto pilhas de plástico.

Os resultados do estudo podem ter implicações diversas, e inclusive sobre como as iniciativas de limpeza oceânica deveriam operar.

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Uma craca-boia (Dosima fascicularis) vista de lado, um dos organismos presentes na mancha. Imagem: Denis Rieck

A grande mancha de lixo do Pacífico como lar de criaturas marinhas

A cientista Rebecca Helm, coautora do estudo, já tinha a hipótese de que os giros oceânicos concentravam a vida marinha e o plástico de maneira similar, mas conta que se surpreendeu ao ver a quantidade que encontrou lá.

“A densidade era realmente assombrosa. Vê-los nessa concentração foi algo surpreendente”, contou.

Os oceanos do planeta contêm cinco giros, que são grandes sistemas de correntes circulares, impulsionados pelos padrões globais dos ventos e das forças criadas pela rotação terrestre. Eles atuam como redemoinhos, de forma que tudo o que flutua dentro deles acaba sendo arrastado até o seu centro.

Os resíduos flutuantes de plástico estão inclusos nisso, e formaram diversas manchas de plástico no oceano. A maior de todas, a grande mancha de lixo do Pacífico, que se encontra entre o Havaí e a Califórnia, contém pelo menos 79 toneladas de plástico, segundo a Ocean Cleanup Foundation.

Mas essa mancha também se tornou um ponto de encontro para diversos organismos marinhos. Junta a seus colegas, Helm usou várias redes para capturar algumas dessas criaturas, como velellas (hidrozoários flutuantes), botões azuis (águas-vivas primas das medusas) e caracóis violeta. Eles também encontraram evidências de que essas criaturas poderiam talvez se reproduzir na mancha.

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Dragão-azul do mar visto de cima. Imagem: Denis Rieck

Pouco se sabe sobre o neuston, especialmente porque ele se encontra distante dos continentes, estando no coração dos giros oceânicos.

“É muito difícil de estudar porque [o neuston] se encontra no oceano aberto e não se pode recorrer [a ele] a menos que se realizem expedições marinhas, que custam muito dinheiro”, relatou Lanna Cheng, cientista investigadora da Universidade da Califórnia.

Como se sabe pouco sobre a história biológica e a ecologia dessas criaturas, o estudo, ainda que limitado em tamanho e alcance, oferece informação valiosa aos cientistas.

Implicações do estudo

Helm também observa que o estudo pode ter outra repercussão: as organizações que trabalham para eliminar os resíduos plásticos da mancha devem considerar o que a investigação significa para seus esforços, segundo a cientista.

Há diversas organizações sem fins lucrativos que buscam limpar os oceanos. A maior delas é a Ocean Cleanup Foundationi, da Holanda. Helm e outros cientistas advertem que as redes usadas pelas organizações podem ameaçar a vida marinha, inclusive o neuston.

Laurent Lebreton, um oceanógrafo dessa organização, discorda da pesquisadora.

“É muito cedo para chegar a conclusões sobre como devemos reagir diante esse estudo”, disse ele. “Há de se levar em conta os efeitos da contaminação do plástico em outras espécies. Com nosso sistema estamos recolhendo várias toneladas de plástico a cada semana, um plástico que afeta o meio ambiente”.

O plástico no oceano constitui uma ameaça a vida marinha, pois mata mais de um milhão de aves marinhas todo ano, assim como mais de 100.000 mamíferos marinhos, segundo a UNESCO. Desde peixes a baleias podem ser afetados, e os animais podem confundir o plástico com comida; isso faz com que morram com o estômago cheio desses resíduos.

Os plásticos que não acabam por matar as criaturas marinhas e voadoras podem se decompor em microplásticos dentro dos seus sistemas, penetrando em todos os ramos da cadeia alimentar. Nesse estado, é quase impossível eliminá-los do meio ambiente.

Ainda que não saibamos o próximo passo acerca do estudo, que ainda será revisado na revista bioRxiv, bem como da grande mancha de lixo do Pacífico, é possível concordar acerca da necessidade de reduzir a quantidade de plástico que vai para o oceano.

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