As bactérias se empurram para a frente enrolando longos apêndices em formas de saca-rolhas que atuam como hélices improvisadas. Mas como exatamente eles fazem isso confundiu os cientistas por 50 anos, porque as “hélices” são feitas de uma única proteína.
Em um artigo científico publicado na revista Cell, uma equipe internacional liderada por Edward H. Egelman, PhD, um líder no campo da microscopia crio-eletrônica de alta tecnologia (crio-EM), revelou como resolveu o caso. Os pesquisadores usaram o cryo-EM e a modelagem avançada por computador para revelar o que nenhum microscópio de luz tradicional poderia ver: a estranha estrutura destas hélices no nível de átomos individuais.
“Enquanto os modelos existem há 50 anos para como esses filamentos podem formar formas tão regulares enroladas, agora determinamos a estrutura desses filamentos em detalhes atômicos”, disse Egelman, do Departamento de Bioquímica e Genética Molecular da UVA. “Podemos mostrar que estes modelos estavam errados, e nosso novo entendimento ajudará a abrir caminho para tecnologias que poderiam ser baseadas em tais hélices em miniatura”.
Diferentes bactérias têm um ou muitos apêndices conhecidos como flagelo, ou, no plural, flagelo. Um flagelo é feito de milhares de subunidades, mas todas essas subunidades são exatamente as mesmas. Você pode pensar que tal cauda seria reta, ou na melhor das hipóteses um pouco flexível, mas isso deixaria a bactéria incapaz de se mover. Isso porque tais formas não podem gerar empuxo. É preciso uma hélice rotativa, em forma de saca-rolhas, para empurrar uma bactéria para frente. Os cientistas chamam a formação desta forma de “superenrolamento”, e agora, após mais de 50 anos, eles entendem como as bactérias o fazem.
Usando o cryo-EM, Egelman e sua equipe descobriram que a proteína que compõe o flagelo pode existir em 11 estados diferentes. É a mistura precisa desses estados que faz com que a forma do saca-rolhas se forme.
Sabe-se que a hélice em bactérias é bastante diferente das hélices similares usadas por organismos unicelulares de coração chamados archaea. Archaea são encontradas em alguns dos ambientes mais extremos da Terra, como em piscinas de ácido quase fervente, no fundo do oceano e em depósitos de petróleo nas profundezas do solo.
Egelman e colegas usaram o cryo-EM para examinar o flagelo de uma forma de arquebactéria, Saccharolobus islandicus, e descobriram que a proteína que forma seu flagelo existe em 10 estados diferentes. Embora os detalhes fossem bem diferentes do que os pesquisadores viram nas bactérias, o resultado foi o mesmo, com os filamentos formando os saca-rolhas regulares. Eles concluem que este é um exemplo de “evolução convergente” — quando a natureza chega a soluções semelhantes através de meios muito diferentes. Isto mostra que, embora as bactérias e as hélices de arcaia sejam semelhantes em forma e função, os organismos evoluíram esses traços de forma independente.
“Assim como com as aves, os morcegos e as abelhas, a evolução das bactérias e arcaias convergiram para uma solução similar para se movimentar”, disse Egelman. “Desde que estas estruturas biológicas surgiram na Terra bilhões de anos atrás, os 50 anos que levou para compreendê-las podem não parecer tão longos”.