Receita para embalsamar múmias antecede faraós

SoCientífica

Muito antes de os antigos egípcios enfaixarem seus faraós em tecidos impregnados com bálsamo e resina e colocá-los em túmulos cobertos de tesouros, seus antecessores mais igualitários já usavam essencialmente a mesma receita de embalsamamento.

A descoberta, publicada em PLoS ONE, antecipa em cerca de dois mil anos o uso conhecido do emoliente altamente viscoso de múltiplos ingredientes, estimam os autores. A mistura primitiva inclui uma resina que provavelmente vinha de um lugar que distava pelo menos 1.000 km dos túmulos, indicando que a região já dispunha de uma extensa e bem estabelecida rede comercial.

Os resultados farão com que arqueólogos repensem como a mumificação evoluiu, opina Alice Stevenson, uma arqueóloga da University College London, não envolvida no estudo.

Anteriormente, a utilização mais antiga de resina para mumificação no Egito datava de mais ou menos 2200 a.C., explica Stephen Buckley, um arqueólogo químico da University of York, no Reino Unido, e um coautor do novo artigo.

Acreditava-se que antes disso, corpos sepultados na areia quente e seca da região tinham desidratado naturalmente. Agora, porém, Buckley e seus colegas detalharam análises de amostras de tecidos (linho) desenterrados há mais de 80 anos na região central do Egito, sugerindo que a natureza teve uma pequena ajuda.

Receita antiga

As amostras dos invólucros funerários vieram de quatro sepulturas do sítio arqueológico de Mostagedda, localizado perto do rio Nilo, e que foram escavadas nas décadas de 20 e 30. Pouco depois, os tecidos foram depositados em museus, onde permaneceram praticamente ignorados por décadas.

A datação por carbono sugere que a amostra mais antiga tinha envolvido um corpo sepultado em torno de 4200 a.C.; a mais recente data de aproximadamente 3150 a.C. Uma análise em microscópio mostrou que os tecidos estavam impregnados com resinas, informa Buckley.

Posteriormente, uma espectrometria de massa revelou uma complexa mistura de substâncias. A maior parte desse material era uma mistura de gorduras animais e esterois de plantas (substâncias quimicamente semelhantes ao colesterol).

Entre 5% e 20% da mistura, no entanto, era formada por resina de pinheiros e extratos de plantas aromáticas. Também havia vestígios de açúcares derivados de plantas e petróleo natural provavelmente derivado de vazamento. Muitos desses ingredientes têm propriedades antibacterianas que teriam contribuído para a preservação de um corpo, observa Buckley.

A gordura animal no bálsamo provavelmente veio de esponjas encontradas no leito marinho ao norte do Egito, sugere a equipe. A resina de pinheiro, por sua vez, pode ser rastreada até o sudeste da Anatólia, no que atualmente é parte da Turquia. As fontes de outros ingredientes ainda não foram identificadas, mas só a resina de pinheiro já sugere que os egípcios daquela época, que não deixaram registros escritos e eram em grande parte pastoris, tinham estabelecido relações comerciais com regiões distantes.

A substância também incluía quantidades moderadas de três compostos que normalmente só se formam quando resinas de plantas são intensamente aquecidas, o que sugere que o bálsamo foi cozido deliberadamente e não simplesmente incorporado à mistura, argumentam os pesquisadores.

“A descoberta de que essas substâncias foram processadas intencionalmente antes de serem utilizadas aponta para um nível mais sofisticado de tratamento dos mortos do que se suspeitava antes em uma época tão antiga”, salienta John Taylor, um egiptólogo do Museu Britânico, em Londres.

Misturas empregadas em milênios posteriores, inclusive durante o apogeu da mumificação egípcia, que começou por volta de2900 a.C., continham ingredientes similares, embora não idênticos, nas mesmas proporções gerais, explica Buckley.

A ausência de uma mudança fundamental na receita ao longo desse extenso intervalo de tempo é “tanto sensacional como surpreendente”, salienta Jana Jones, uma egiptóloga e pesquisadora têxtil na Macquarie University, em Sydney, na Austrália, e coautor da pesquisa.

“É interessante ver esse tipo de receita tão cedo”, observa Alice Stevenson. Corpos enterrados no Egito pré-histórico recebiam todo tipo de tratamentos funerários. “Foi um período de grande experimentação e não houve dois sepultamentos que fossem idênticos”, ressalta ela.

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