O que é a mumificação e como este processo era feito?

Adriana Tinoco
Múmia do Faraó Ramsés IV. Imagem: AFP

O processo de mumificação dos mortos começou no Egito antigo, 3.500 AEC. A palavra múmia vem do latim mumia, que é derivado da palavra persa mum. Mum, por sua vez, significa ‘cera’ e refere-se a um cadáver embalsamado parecer feito de cera. 

A mumificação e a vida após a morte

A ideia de mumificar os mortos provavelmente surgiu para a preservação dos corpos nas areias áridas do país. Dessa maneira, os primeiros túmulos do período Badarian (cerca de 5000 AEC) continham oferendas de alimentos e bens preciosos, o que sugere uma crença na vida após a morte. Porém, os cadáveres não foram mumificados artificialmente.

Esses túmulos eram retangulares ou ovais, rasos, nos quais um cadáver era colocado no lado esquerdo, geralmente em posição fetal. Como os túmulos eram considerados o local de descanso final do falecido, em alguns locais, por exemplo, na Mesopotâmia, ficavam dentro ou perto da casa da família.

mumificação no egito
Possível descoberta de múmia mais antiga do Egito/ Imagem: Universidade de Turim

Os Mastabas

As sepulturas foram evoluindo ao longo das eras seguintes. No início do período dinástico no Egito (3150 -2613 AEC), a tumba do estilo mastaba substituiu a cova simples e os cemitérios se tornaram comuns. Isso porque os mastabas eram vistos não só como o local do descanso final, mas como um lar eterno para o corpo. O túmulo era agora considerado um local de transformação em que a alma deixaria o corpo para seguir para a vida após a morte. Pensou-se, no entanto, que o corpo tinha que permanecer intacto para que a alma continuasse sua jornada.

Uma vez liberada do corpo, a alma precisaria se orientar pelo que era familiar. Por esse motivo, os túmulos foram pintados com histórias e feitiços do Livro dos Mortos. Dessa forma, a alma lembraria do que estava acontecendo e saberia o que esperar. Também eram incluídas inscrições conhecidas como Textos da Pirâmide e Textos do Caixão, que contariam eventos da vida da pessoa morta. 

O mito Osíris

Na época do Antigo Reino do Egito (2613 – 2181 AEC), a mumificação havia se tornado uma prática padrão nos rituais de sepultamento. Esses rituais e seus símbolos foram amplamente derivados do culto de Osíris, que já havia se tornado um deus popular. 

De acordo com o mito, Osíris e sua irmã-esposa Ísis foram os primeiros líderes do Egito. Eles governavam um reino de paz e tranquilidade, ensinando ao povo as artes da agricultura, civilização e concedendo a homens e mulheres direitos iguais para viverem juntos em equilíbrio e harmonia.

O irmão de Osíris, Set, ficou com ciúmes do poder e do sucesso de seu irmão, e por isso o assassinou; primeiro, Set selou Osíris em um caixão, enviando-o pelo rio Nilo; depois,  ele decidiu esquartejar o corpo e espalha-lo pelo Egito. Ísis recuperou os pedaços de Osíris, reconstruindo-o e, com a ajuda de sua irmã Néftis, o trouxe de volta à vida. 

Osíris estava incompleto, no entanto – faltava-lhe o pênis, que havia sido devorado por um peixe – e, portanto, não podia mais governar. Ele, então,  desceu ao submundo, onde se tornou o Senhor dos Mortos. Antes de sua partida, Isis havia acasalado com ele, na forma de uma pipa, e lhe deu um filho, chamado Hórus, que cresceria para vingar seu pai, recuperar o reino e novamente estabelecer ordem e equilíbrio na terra.

Vida após a morte

Esse mito se tornou tão popular que se infundiu à cultura e assimilou deuses e mitos anteriores, criando uma crença centrada na vida após a morte e na possibilidade de ressurreição dos mortos. 

Dessa forma, a vida eterna só era possível se o corpo permanecesse intacto. O nome de uma pessoa, sua identidade, representava sua alma imortal, e essa identidade estava ligada à sua forma física. Osíris era frequentemente descrito como um governante mumificado e regularmente representado com pele verde ou preta, simbolizando a morte e a ressurreição. 

Mumificação
Os protagonistas do mito de Osíris, em uma estatueta da vigésima segunda dinastia. Osíris em um pilar de lápis-lazúli no meio, ladeado por Hórus à esquerda e Ísis à direita. Imagem: Departamento de Antiguidades Egípcias do Louvre

Os três serviços da mumificação

Quando uma pessoa morria, ela era levada aos embalsamadores que ofereciam três tipos de serviço, que variavam de preço. A família escolhia o serviço que preferia, sendo sua resposta importante não apenas para o falecido, mas para eles mesmos. 

Obviamente, o melhor serviço seria o mais caro, mas se a família pudesse pagar por este e, ainda assim, optasse por um mais barato, dizia-se que seria assombrada. A pessoa morta saberia que a família não quis lhe dá o que poderia e não seria capaz de seguir pacificamente para a vida após a morte; em vez disso, voltaria para perturbar a vida de seus parentes. 

Os rituais funerários no Egito eram levados muito a sério e não apenas eles, tudo que dizia respeito a memória do morto era muito respeitado, afinal, já que a crença era de que há vida após a morte, o falecido poderia ouvir, se ofender e os deuses poderiam lhe dar permissão para se vingar.

O processo de mumificação

Uma vez que o serviço escolhido, isso determinava o tipo de caixão em que o falecido seria enterrado, os ritos funerários disponíveis e o tratamento do corpo. O ingrediente chave na mumificação era o sal natron, ou netjry, considerado divino. Trata-se de uma mistura de bicarbonato de sódio, carbonato de sódio, sulfato de sódio e cloreto de sódio que ocorre naturalmente no Egito, mais comumente no vale Uádi Natrum, a cerca de 64 quilômetros a noroeste do Cairo. O sal natron possui propriedades dessecantes e desengordurantes e por isso era muito usado, embora o sal comum também tenha sido utilizado em enterros mais econômicos.

Primeiro serviço: o mais caro e cuidadoso

No tipo mais caro de serviço funerário, o corpo era deitado sobre uma mesa e lavado. Os embalsamadores removiam todos os órgãos internos; as cavidades eram então cuidadosamente lavadas, primeiro com vinho de palma e novamente com uma infusão de especiarias moídas. Depois disso, tudo era preenchido com mirra pura, cássia e outras ervas aromáticas, e o corpo costurado novamente. Após isso, falecido era colocado em natron, sendo coberto inteiramente por setenta dias – nunca mais que isso. Quando esse período terminava, o corpo era lavado e embrulhado da cabeça aos pés em linho cortado em tiras e goma, que era comumente usada pelos egípcios como cola. Nesta condição, o corpo é devolvido à família, que fez uma caixa de madeira, com a forma de uma figura humana, na qual é colocado. 

Sarcófago
Múmia de uma sacerdotisa. Imagem: Wikipédia

Embalsamamentos mais baratos

No segundo tipo de enterro, mais barato, menos cuidado foi dado ao corpo. Nenhuma incisão é feita e os órgãos não eram removidos, mas óleo de cedro é injetado no corpo através de uma seringa através do ânus. O corpo é então curado em natron pelo número prescrito de dias; no último dos quais, o óleo é drenado. O efeito é tão poderoso que as vísceras também deixam o corpo,  pois foram dissolvidas pelo natron, nada resta do corpo, exceto a pele e os ossos. Após esse tratamento, ele é devolvido à família. O terceiro e mais barato método de embalsamamento consistia em lavar o intestino e manter o corpo por setenta dias em natron. 

Mumificação ou embalsamamento

A técnica utilizada no processo de mumificação no Egito não é mais a mesma, porém o embalsamamento é ainda muito importante. Atualmente, o embalsamamento tem muito mais como objetivo deixar o falecido com a aparência que seus entes gostariam de se lembrar, do que a preservação da matéria em si. 

Sendo assim, no procedimento atual, o sangue é retirado do corpo por meio de uma bomba específica e, em seu lugar, é injetada uma solução de água e formaldeído, que ajuda a preservar os órgãos.

Porém, antes disso, o profissional responsável deve massagear todo o corpo, retirando o rigor mortis (o enrijecimento dos músculos, que ocorre após a morte). Depois da aplicação da solução, é preciso ainda maquiar o falecido e fazer ajustes, principalmente no caso de mortes violentas, que tenham deixado marcas de tiro, por exemplo, ou outras questões que podem chocar os familiares.

Parte importante da história

Por conta das técnicas de embalsamento, a humanidade tem acesso a partes importantes da história mundial. Por exemplo, no caso das antigas múmias egípcias, que poderiam ter se perdido ao longo dos séculos, são fonte crucial para os estudiosos.

Compartilhar