Por que os cães de Chernobyl estão sofrendo evolução rápida?

Damares Alves
Muitos dos cães de Chernobyl encontram abrigo em prédios abandonados ou zonas de construção dentro da zona de exclusão nuclear. Imagem: Jordan Lapier

A evolução é frequentemente vista como um processo gradual e desajeitado. No entanto, os cães que habitam a usina nuclear de Chernobyl passaram por uma evolução acelerada nas quatro décadas que se seguiram ao desastre nuclear.

Um estudo publicado na Science Advances no início deste ano revelou que pesquisadores analisaram amostras de sangue de cães que vagam pela usina e de outros que vivem nas áreas adjacentes. Eles descobriram que os cães mais próximos do local da explosão apresentam diferenças em seu DNA, indicando que são geneticamente distintos dos cães em outras partes do mundo.

“O aspecto mais impressionante deste estudo é que conseguimos identificar populações de cães que vivem dentro e ao redor do reator, podendo reconhecer esses animais apenas com base em seu perfil genético”, afirmou Elaine Ostrander, autora da pesquisa e geneticista do Instituto Nacional de Pesquisa do Genoma Humano do NIH, em entrevista à IFLScience.

Atualmente, ainda não se sabe como essas variações genéticas afetam a saúde e as características desses cães resilientes. Contudo, eles não são a única espécie que parece ter evoluído após o desastre. Estudos recentes sobre a genética dos lobos na região indicam que esses animais desenvolveram uma resistência ao câncer. Além disso, uma pesquisa revelou que as rãs-árvore que habitam a Zona de Exclusão são significativamente mais escuras do que aquelas que vivem fora dela. Essa adaptação pode ter ajudado a minimizar os efeitos adversos da radiação, uma vez que a coloração mais escura confere níveis elevados de melanina, que pode oferecer proteção.

Mas por que isso está ocorrendo? Embora o estudo não esclareça exatamente por que os cães de Chernobyl diferem geneticamente de seus congêneres em áreas menos radioativas, existem várias teorias sobre como a radiação pode influenciar populações animais.

Uma possível explicação apresentada em uma pesquisa de 2020 sugere que a radiação pode induzir mutações, contribuindo para a variação genética que é transmitida de geração em geração. Outra hipótese é que os indivíduos que não conseguem lidar com os efeitos da exposição à radiação acabam não sobrevivendo, resultando em uma população mais adaptada ao novo ambiente. Esse fenômeno pode, paradoxalmente, diminuir a diversidade genética.

Caes de cernobyl
Cães de Chernobyl vivendo do lado de fora da New Safe Confinement Structure, que foi construída para conter a radioatividade da explosão do reator quatro. Imagem: Clean Futures Fund+

Em 2022, cientistas avaliaram a diversidade genética de uma espécie de pulga d’água que vive em lagos na área de Chernobyl e descobriram que a diversidade genética era maior nos lagos com maiores níveis de radiação. Isso sugere que, pelo menos neste caso, a mutação poderia ser a principal força evolutiva que moldou os genes desse inseto aquático. No entanto, os próprios pesquisadores ressaltaram que o estudo foi correlacional e não causal, o que significa que não fornece evidências diretas de que a mutação foi a principal responsável pelas mudanças observadas. Da mesma forma, não se pode afirmar que os mesmos mecanismos se aplicam aos cães da região.

O que se torna evidente é que as alterações genéticas observadas nos cães de Chernobyl ilustram os processos evolutivos surpreendentemente rápidos que podem ocorrer em populações expostas a mudanças ambientais drásticas, e há um vasto campo de pesquisa a ser explorado para desvendar os mistérios dessa adaptação.

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