O maçarico-de-bico-virado é uma ave de grande porte que se reproduz nas planícies geladas do Alasca. Estas aves migratórias viajam todos os anos de sua terra natal nos Estados Unidos para o Chile, fugindo do inverno conforme ele chega. Ao todo, a viagem de ida e volta pode ter mais de 20.000 km de extensão, dos quais boa parte são percorridos sem descanso. Em um trecho especial da sua migração, os maçaricos-de-bico-virado percorrem até 10.000 km, da Terra do Fogo ao Nebraska, sem paradas.
Nesse percurso, estas aves migratórias maratonistas podem atingir velocidades médias de voo de até 80 km/h, viajando por vários dias. Ao longo do caminho, o maçarico-de-bico-virado depende apenas de suas reservas energéticas, uma vez que o bando não para para comer, descansar ou beber água.
A andorinha-do-Ártico é outro exemplo de migrante maratonista. Com a migração mais longa do reino animal, estas aves podem viajar incríveis 40.000 km de distância, viajando de um polo ao outro. No entanto, diferente dos maçaricos, as andorinhas param diversas vezes para se alimentar e descansar.
Fisiologia de aves migratórias
Para atingir distâncias tão absurdas, aves migratórias precisam de uma fisiologia extrema. Ou seja, a sua respiração, circulação e metabolismo precisam ser altamente otimizados para aproveitar o máximo do desempeno do corpo do bicho.
Nos períodos pré-migratórios, por exemplo, os maçaricos-de-bico-virado se empanturram de moluscos e vermes extraídos dos pântanos da região de Beluga, no Alasca. Esses alimentos fornecem reservas abundantes de gorduras, que serão as principais fontes energéticas destes animais ao longo do trajeto.
De acordo com uma pesquisa de 2018, aves migratórias metabolizam gorduras de forma 10 vezes mais eficiente do que os seres humanos são capazes. Essa queima excessiva de lipídeos também permite a síntese de água do próprio metabolismo, o que diminui a necessidade de paradas para hidratação.
Os órgãos e tecidos destas aves também sofrem mudanças significativas. Durante a migração, o coração e os pulmões crescem significativamente, ocupando o espaço dos rins e do fígado, que diminuem. Além disso, os eritrócitos (células sanguíneas semelhantes às nossas hemácias) ficam mais abundantes para captar melhor o oxigênio e transportá-lo de forma mais eficiente.
Ademais, as aves são especialistas em geolocalização. Com uma precisão incrível (e de motivos pouco conhecidos), os maçaricos-de-bico-virado e seus primos migrantes voltam aos mesmos locais todos os anos.
Pesquisas recentes indicam, nesse sentido, que proteínas atreladas à visão destes animais podem ser sensíveis ao campo magnético terrestre, o que os permitiria ver a orientação norte-sul do planeta.
Como a mudança climática afeta as migrações
A migração acontece essencialmente devido à busca por ambientes mais favoráveis. Geralmente, durante o inverno em um determinado local, alguns animais irão migrar para outro onde é verão.
Contudo, a mudança climática vem bagunçando esta dinâmica. Após semanas ou meses de migração, muitos maçaricos-de-bico-virado e diversas outras espécies não encontram as condições que outrora existiram em determinados lugares. Assim, lagoas e riachos, importantes para os pontos de descanso destes animais, podem secar rapidamente pela utilização da água para a irrigação de plantações.
A mudança da temperatura da atmosfera também provoca mudanças de sentido dos ventos e até a redução dramática das presas destas aves migratórias.
No artigo publicado pela Smithsonian Magazine, o especialista Nathan Senner, da Universidade da Carolina do Sul, afirma: “A civilização foi construída sobre a constância do clima. Ouça os pássaros, pelo amor de Deus, e eles vão nos dizer o que está acontecendo.”
Com informações de Smithsonian Magazine.