Coruja antiga caçava durante o dia na China

Dominic Albuquerque
Reconstrução da coruja diurna com sua última refeição. Imagem: IVPP

Pesquisadores na China desenterraram as primeiras evidências fósseis de comportamento diurno em corujas, preenchendo uma lacuna na história evolucionária da espécie. A coruja antiga, diferentemente de outras espécies, tinha hábitos um tanto incomuns para os padrões que encontramos hoje.

A maioria das corujas são criaturas noturnas. Seus olhos grandes possuem mais células de bastonetes do que de cones, permitindo-as encontrar presas na vegetação rasteira, mesmo com pouca luz. Contudo, existem algumas corujas diurnas, que ficam ativas durante o dia.

Cientistas suspeitam que esses pássaros evoluíram de ancestrais noturnos, mas é incerta a compreensão de por que essa mudança de atividade ocorreu. Contudo, a descoberta lança um pouco de luz no tema.

O fóssil da coruja antiga de hábitos diurnos

“É a incrível preservação dos ossos dos olhos desse fóssil craniano que nos permite perceber que essa coruja preferia o dia, não a noite”, disse Li Zhiheng, pesquisador chinês no Institute of Vertebrate Paleontology and Paleoanthropology (IVPP).

Ainda que as partes moles dos olhos dessa coruja antiga tenham se deteriorado há muito tempo, pequenos ossos chamados “ossículos esclerais”, que formam um anel em torno do olho, permaneceram. No espécime encontrado, os ossículos tinham colapsado na cavidade ocular, então os cientistas mediram cada osso e reconstruíram o tamanho e forma do anel.

“Foi como jogar com blocos de Lego, mas digitalmente”, disse Thomar Stidham, autor do estudo e pesquisador no IVPP.

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Fóssil da coruja antiga encontrada. Imagem: Zhiheng Li et. al. via PNAS

Os cientistas perceberam que a forma e tamanho do olho eram similares aos de corujas diurnas modernas. Alguns dos seus componentes demonstraram que a coruja é parte do grupo Surniini, o que significa que essas corujas abandonaram seus hábitos noturnos há milhões de anos atrás, segundo o estudo.

Os pesquisadores analisaram os ossos do crânio e dos membros inferiores, comparando-os com os dos seus parentes modernos.

O fóssil ainda continha uma pelota remanescente com restos de mamíferos da última refeição da ave.

Eles nomearam a espécie como Miosurnia diurna. O fóssil foi encontrado numa região geológica da China chamada de formação Liushi. O habitat da área, na época, teria sido uma savana árida; a maioria das corujas diurnas vivem em habitats abertos, observam os autores no estudo.

“É legal que os pesquisadores mostraram que provavelmente haviam corujas em savanas”, disse Jonathan Slaght, biólogo do Wildlife Conservation Society. Slaght estuda a coruja-pescadora-de-Blaskoni, que não tem as características das corujas noturnas, como voo silencioso e discos faciais largos.

“Nos padrões modernos, essa coruja é estranha, e a coruja de Blaskoni se encaixa nessa categoria”, contou ele.

Em relação ao motivo dessas aves terem mudado seus hábitos noturnos para diurnos, os cientistas apontam as condições climáticas como um possível motivo. Durante o período em que a Miosurnia diurna viveu – há mais de seis milhões de anos atrás – a área onde o fóssil foi encontrado provavelmente era severa e fria, contou Li.

É possível que os pequenos mamíferos que essas corujas caçavam evoluíram até ficarem ativos durante horários mais quentes, e então as corujas evoluíram para caçá-los nesses horários ao longo dos anos.

Os autores escrevem ainda que as corujas diurnas têm uma “história mais longa e significativa do que é reconhecido atualmente”.

“É sempre uma ótima sensação quando você faz uma descoberta que tem a capacidade de mudar o que as pessoas, inclusive cientistas, pensam sobre um assunto”, escreveram Li e Stidham num e-mail.

“Nós agora temos muitas questões para estudar acerca de como as corujas ‘re-evoluíram’ para se tornarem ativas durante o dia, estudando coisas como suas retinas, penas, e outros componentes impactados pela mudança evolucionária em seus comportamentos”.

O estudo foi publicado na PNAS.

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