Com suas formas sinuosas e comportamentos enigmáticos, as cobras têm fascinado e assustado os humanos ao longo dos milênios. Esses predadores rastejantes possuem adaptações incríveis que os tornaram bem-sucedidos, como um órgão especializado no céu da boca para “provar” cheiros, crânios flexíveis que lhes permitem engolir presas inteiras muito maiores do que suas próprias cabeças, órgãos de fossa capazes de detectar luz infravermelha e habilidades regenerativas impressionantes comparáveis apenas às dos lagartos.
No entanto, talvez a característica mais marcante das cobras seja a ausência de membros, uma característica extremamente rara entre os vertebrados. Mas por que ter uma medula espinhal se você não pode usá-la para controlar as pernas?
A evolução da falta de membros nas cobras tem sido um mistério há muito tempo. Agora, um estudo inovador, publicado na revista Cell, trouxe à tona o intricado projeto genético por trás dessa característica intrigante.
Decodificando o genoma das cobras
O herpetologista Jia-Tang Li, do Instituto de Biologia de Chengdu, realizou uma pesquisa pioneira para desvendar os segredos da evolução das cobras. Ele sequenciou os genomas de 14 espécies de cobras, abrangendo 150 milhões de anos de evolução. Além disso, sua equipe também analisou outros 11 genomas previamente sequenciados.
Os resultados desta pesquisa são verdadeiramente surpreendentes e revelam padrões genéticos antes ocultos. A equipe de Li identificou alterações significativas no DNA de um gene chamado PTCH1, responsável pelo desenvolvimento dos membros.
Enquanto pesquisas anteriores sugeriam que regiões do DNA que regulam o gene PTCH1 seriam as culpadas pela perda de membros, este estudo aponta diretamente para o próprio gene. De forma surpreendente, todas as cobras possuem essas mutações no PTCH1, o que sugere uma base genética crucial para a ausência de membros.
Experimentos realizados pela equipe de Li fortalecem essas descobertas. Eles introduziram as mesmas mutações no equivalente do PTCH1 em camundongos e observaram resultados impressionantes: os ossos dos dedos dos pés dos camundongos ficaram significativamente mais curtos. Essa evidência reforça a hipótese de que o gene PTCH1 desempenha um papel fundamental na evolução da falta de pernas nas cobras.
A fascinante transformação das cobras
Além disso, a análise massiva do genoma também ajudou a esclarecer outras adaptações intrigantes das cobras. As cobras têm fama de terem uma visão muito fraca, por isso utilizam constantemente sua língua para sentir o ambiente ao redor. Estudos anteriores sugeriram que elas perderam genes importantes para a visão. No entanto, essa nova pesquisa revela que esses genes ainda existem em seus genomas – apenas tiveram sua atividade reduzida e possivelmente silenciada durante a evolução inicial das cobras, especialmente entre as espécies primitivas que vivem no subsolo.
Surpreendentemente, as alterações genéticas que afetaram os genes da visão também impactaram a capacidade de ouvir frequências altas. No entanto, essas mudanças levaram a uma transformação fascinante: a remodelagem dos ossos do ouvido das cobras, tornando-as extremamente sensíveis às vibrações. Parece que as cobras trocaram um sentido por outro, demonstrando a habilidade da natureza em reutilizar informações genéticas.