Nosso interesse por bebida alcoólica pode ser herança de primatas ancestrais

Dominic Albuquerque

Grande parte dos humanos gosta de um pouco de álcool, de vez em quando (alguns gostam sempre). Mas esse gosto por bebidas alcoólicas poderia ser herança dos nossos ancestrais primatas? É isso o que sugere um novo estudo, publicado no The Royal Society, com participação de Robert Dudley, biólogo da Universidade da Califórnia, Berkeley.

Há alguns anos esse especialista estuda a ideia de que nosso interesse por álcool remonta a milhões de anos atrás, quando os primeiros primatas associavam o odor do álcool a frutas maduras.

Em 2014, Dudley publicou um livro chamado “The drunken monkey: why we drink and abuse alcohol” (O macaco bêbado: por que nós bebemos e abusamos do álcool), onde expôs sua ideia pela primeira vez: o fato de que o homem gosta de álcool liga-se às preferências alimentares dos nossos primatas ancestrais.

As frutas maduras são mais açucaradas, e por isso têm um gosto melhor; a maturação conduz à fermentação alcoólica (processo no qual os açúcares se transformam em etanol). Assim, o odor de álcool naturalmente teria guiado os animais em direção às frutas maduras, que também são as mais nutritivas.

Essa ideia começou a se chamar de “a hipótese do macaco bêbado”.

“Os chimpanzés, nossos parentes mais próximos, tiram cerca de 90% do seu suporte calórico de frutas maduras. E onde há açúcar nos trópicos, há álcool”, afirmou Dudley em uma entrevista. Pesquisadores já haviam demonstrado que os primatas às vezes consomem frutas onde o teor de álcool pode chegar a 7%.00

Mas, até então, os cientistas ainda não tinham provas de que os macacos e grandes primatas tinham preferência por frutas fermentadas, ou se eram capazes de digerir o álcool contido nelas.

O estudo sobre primatas e álcool

O novo estudo dirigido por Christina Campbell, primatóloga da California State University, aponta novos elementos que podem sustentar a hipótese do macaco bêbado de Dudley.

Os pesquisadores tiveram interesse particular pelo macaco-aranha de mãos pretas (Ateles geoffroyi), um primata da América Central e do norte da América do Sul que vive entre as árvores.

Os macacos dessa espécie consomem principalmente frutas maduras, e por isso foram bons candidatos para esse estudo sobre a exposição natural ao etanol; eles possuem uma excelente sensibilidade olfativa a diversos tipos de álcool.

Coletando os restos de frutas consumidas por esses animais, a equipe constatou que seu teor alcoólico se situa, geralmente, entre 1% e 2% em volume. Além de ser a fruta favorita do macaco-aranha, as populações indígenas da América Central e da América do Sul têm usado por milênios essa fruta para fazer chicha, uma bebida alcoólica fermentada.

“Pela primeira vez, nós pudemos mostrar, sem sombra de dúvidas, que os primatas selvagens, sem intervenção humana, consomem frutas que contêm etanol”, declarou Campbell.

O etanol é um subproduto de leveduras presente na polpa das frutas, que metabolizam o açúcar durante o processo de maturação e que podem servir de sinal olfativo à longa distância aos animais frugívoros, inclusive diversos primatas.

A análise da urina de seis macacos diferentes revelou que elas continham produtos metabólicos oriundos do consumo de álcool, como o etil glicuronídeo e etil sulfato. Isso prova que os macacos usam o etanol das frutas para produzir energia.

Assim, esses animais se interessam pelas frutas fermentadas porque elas são mais calóricas e, portanto, mais energéticas. Segundo a especialista, esse fenômeno acentua-se com a deflorestação: os macacos têm cada vez mais dificuldade de achar comida, e por isso precisam maximizar a caloria que encontram nos alimentos.

Nosso apetite por álcool resultaria, portanto, de uma afinidade profundamente enraizada dos primatas fugívoros pelo etanol naturalmente presente nas frutas maduras.

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