Após uma delicada e engenhosa modificação genética, um camundongo fêmea reproduz sem o macho. O feito é impressionante, não apenas por demonstrar os níveis que a ciência é capaz de alcançar, mas também as possibilidades existentes na própria natureza.
Até então, se pensava que esse tipo de reprodução, chamada partenogênese, era impossível em mamíferos. Isso porque, no usual, é necessário que um óvulo, proveniente da fêmea, seja fecundado pelo esperma, proveniente do macho.
É possível que o fenômeno ocorra de maneira natural em algumas espécies, incluindo tubarões, lagartos e pássaros. Ela acontece quando a prole tem metade ou todo o material genético provindo da mãe, sem qualquer contribuição genética do pai.
Experimentos prévios que tentaram forçar mamíferos a reproduzir através da partenogênese tinha falhado, segundo declaração, devido à impressão genômica. Essa impressão ocorre na reprodução sexual comum: a prole recebe duas cópias de um gene, uma de cada parente. Todavia, a impressão genômica faz com que alguns genes sejam marcados quimicamente.
A marca indica de qual dos dois parentes veio o gene, o que faz com que apenas uma cópia do gene se expresse.
Como foi o experimento no qual o camundongo fêmea reproduz sem o macho
A equipe usou a ferramenta CRISPR, já conhecida por sua magnífica capacidade de edição de genes. Com ela, os cientistas marcaram sete dessas regiões onde os genes são marcados, alterando as marcas para que parte do material genético da mãe fizesse parecer que veio do pai.
Em seguida, eles injetaram uma enzima no óvulo para ativar alguns genes e desligar outros, assim mimetizando um óvulo que teria sido fertilizado por um macho.
O bioquímico Tony Berry, da Universidade de Bath, Reino Unido, que não esteve envolvido no estudo, assim comentou:
“Isso vai ser uma peça importante do quebra-cabeças sobre o mecanismo de desenvolvimento embrionário inicial e a maneira que os dois genomas parentais são regulados. E em segundo lugar, é uma demonstração técnica importante do tipo de potência que [as ferramentas CRISPR] possuem”.
Os autores escrevem que “o sucesso da partenogênese em mamíferos abre muitas oportunidades para a agricultura, pesquisa e medicina”. O estudo foi publicado na revista Proceedings of the National Academy of Sciences. “Mais identificações e edições das RCIs [regiões de controle de impressão] podem aprimorar a eficiência do desenvolvimento partenogenético”.
Os pesquisadores transferiram 192 embriões partenogenéticos em 14 fêmeas de camundongo. Três filhotes nasceram, mas somente um sobreviveu até a vida adulta. O camundongo parecia ter uma massa corporal normal ao nascer, mas enquanto crescia, teve redução de cerca de 20% de massa corporal comparada aos camundongos do grupo de controle.
Apesar disso, a sobrevivente conseguiu reproduzir com um macho ao chegar à vida adulta.
E então, isso significa que vamos nos livrar dos homens na reprodução?
Segundo Marisa Bartolomei, uma bióloga molecular da Universade da Pensilvânia que não esteve envolvida no estudo, o estudo não significa isso. Mas pode, todavia, ajudar em pesquisas de doenças causadas por impressão genômica, como a síndrome de Prader-Willi ou a síndrome de Beckwith-Wiedemann.
Novas pesquisas serão necessárias para aprimorar o processo e a taxa de sucesso viável nas proles, escreveram os autores.