Ressuscitar espécies com engenharia genética tem limites claros, segundo pesquisa

Dominic Albuquerque

As extinções de espécies fazem parte da história evolutiva do planeta; mais de 99% das quatro bilhões de espécies que evoluíram na Terra já foram extintas, e pelo menos 900 delas desapareceram nos últimos quinhentos anos.

Com o advento da tecnologia CRISPR, capaz de editar genes, cientistas mudaram o foco da clonagem para a engenharia genética, considerando-a a mais apropriada para ressuscitar espécies.

Para analisar a possibilidade de trazer um animal extinto de volta ao mundo, pesquisadores tentaram recuperar o genoma do rato da Ilha Christmas. Comparando fragmentos genéticos do rato extinto com um parente atual, a equipe foi capaz de recuperar cerca de 95% do genoma extinto.

Isso é um número significativo, mas aponta que o resultado não poderia reviver exatamente o rato extinto, mas criar um novo rato geneticamente modificado.

O processo de ressuscitar espécies

Ainda que apenas 5% dos genes tenham sido ausentes, eles representam fatores importantes, como a habilidade para farejar e o sistema imunológico, segundo o relato publicado na Current Biology.

“Você só pode trazer de volta o que você acha. E nosso ponto é que não conseguimos achar tudo”, disse Tom Gilbert, biólogo evolutivo da Universidade de Copenhagen.

No experimento, Gilbert e seus colegas coletaram o DNA antigo de duas amostras de pele preservadas do rato da Ilha Christimas. Esse DNA, contudo, é imperfeito; Gilbert o descreve como um livro que foi picado. Uma maneira de reconstruir esse livro retalhado seria analisar seus fragmentos e compará-los com uma referência.

Na analogia, seria possível reconstruir o livro perfeitamente se alguém tivesse uma cópia intacta do original. Os pesquisadores, na busca por identificar um genoma referencial, procuram por espécies que divergiram evolutivamente da espécie extinta recentemente – em outras palavras, um livro bem similar. Os genomas vão corresponder significativamente, mas não por completo.

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O rato marrom norueguês e o rato da Ilha Christmas são parentes próximos. Mas os roedores já divergiram evolutivamente o bastante para dificultar um retorno da espécie extinta com o uso de engenharia genética.

Para a pesquisa, o rato da Ilha Christmas (Rattus macleari) foi comparado com o rato marrom norueguês (Rattus norvegicus), seu parente atual, cuja divergência ocorreu há apenas 2.6 milhões de anos atrás, um número pequeno em termos evolucionários.

O mapeamento foi de 95% entre os dois. Segundo a pesquisa, os 5% restantes não se explicam apenas por falha na técnica, ou uma referência genômica inadequada: a questão crucial é que, na divergência evolutiva entre duas espécies, grande parte da informação genética simplesmente se perde.

E os genes perdidos não são aleatórios; por se encontrarem, principalmente, nas regiões que controlam o senso de olfato e a resposta imunológica do rato, no caso de um rato marrom ter seu genoma modificado para se parecer com o da Ilha Christmas, o roedor final teria um falto diferente do que foi extinto. E isso poderia afetar sua chance de sobrevivência quando ele fosse solto no seu habitat prévio.

Gilbert não acredita que alguém vai tentar ressuscitar o rato, mas reconhece que o experimento é interessante e importante para os estudos de engenharia genética em termos de referência para o que é possível ser feito, e que aponta quais são os limites do CRISPR.

“Fazendo esse tipo de análise, o que não é difícil de ser feito, você pode pelo menos saber o que vai obter e o que não vai obter, e então usar essa informação para decidir se vale a pena”, disse ele.

BeN Novak, cientista líder da Revive & Restore, organização sem fins lucrativos voltada para projetos conservacionistas usando engenharia genética, acredita que vale sim a pena tentar trazer espécies de volta usando a tecnologia.

E ele aceita os limites inerentes ao processo:

“O problema da montagem referencial sempre será uma barreira para a ‘desextinção’”, disse Novak. “Qualquer pessoa buscando-a tem que se contentar com o fato de que queremos chegar o mais próximo possível a algo que engane o meio ambiente”.

Mas para Gilbert a discussão vai um pouco além:

“Como uma ciência, é incrível. Mas esse é o melhor uso de dinheiro num mundo onde nós não conseguimos manter nossos rinocerontes vivos?”, questionou o cientista.

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