Habilidade cognitiva e vulnerabilidade às notícias falsas

Diógenes Henrique
"Fake News". Imagem: Nick Youngson

“Fake news”, que em bom português significa “Notícias falsas”, é o bordão favorito de Donald Trump. Desde a eleição, o termo apareceu em cerca de 180 tweets do presidente dos Estados Unidos criticando tudo, desde acusações de agressão sexual contra ele e sobre o andamento das investigações de envolvimento dos russos nas eleições até a relatos de que ele assiste a oito horas de televisão por dia.

Pode até ser que Trump use “Fake news” apenas como um recurso retórico para desacreditar histórias das quais ele não gosta, mas há evidências de que a verdadeira notícia falsa seja um problema sério. Como um exemplo alarmante, uma análise da empresa de mídia da internet Buzzfeed revelou que, durante os três meses finais da campanha presidencial dos Estados Unidos de 2016, as vinte histórias falsas sobre as eleições mais populares geraram aproximadamente 1,3 milhão de envolvimento no Facebook — isto é, compartilhamentos, reações e ou comentários na rede social — a mais do que fizeram as vinte histórias legítimas mais populares. A notícia falsa mais popular foi uma com a chamada “Papa Francisco Choca o Mundo e endossa Donald Trump para presidente”.

As notícias falsas podem distorcer as crenças das pessoas, mesmo depois de serem desmascaradas. Por exemplo, repetida uma e outra vez, uma história como a do Papa aprovando Trump pode criar em torno de um candidato a cargo político um brilho que persiste muito depois que a história é exposta como falsa.

Em um estudo publicado recentemente na revista Intelligence sugere que algumas pessoas podem ter uma dificuldade extra em rejeitar a informação errada. Ao serem solicitadas a avaliar uma pessoa fictícia em uma variedade de traços de caráter, as pessoas que obtiveram notas baixas em um teste de capacidade cognitiva continuaram a ser influenciadas por informações lesivas à pessoa, mesmo depois de esses participantes da pesquisa terem sido explicitamente informados de que aquela informação lesiva era falsa. O estudo é significativo porque identifica o que pode ser um fator de risco fundamental sobre a vulnerabilidade a notícias falsas.

Os pesquisadores da Universidade de Ghent Jonas de Keersmaecker e Arne Roets primeiro submeteram mais de 400 participantes da pesquisa a um teste de personalidade. Eles, então, aleatoriamente designaram cada participante a um de dois grupos. O grupo experimental, os participantes leram uma descrição biográfica de uma jovem mulher chamada Nathalie. A biografia explica que Nathalie, uma enfermeira em um hospital local, “foi presa por roubar medicamentos do hospital. Ela tem roubado os medicamentos por dois anos e os vende na rua a fim de comprar roupas de grife”. Esses participantes, em seguida, classificaram Nathalie em características como confiabilidade e sinceridade, depois de serem submetidos a um teste de capacidade cognitiva. E, por fim, os voluntários viram uma mensagem nas telas de seus computadores que afirmava claramente que a informação que dizia que Nathalie roubava drogas e que fora presa não era verdadeira. Eles então avaliavam Nathalie outra vez em relação àquelas mesmas características: confiabilidade e sinceridade. A condição do experimento para o grupo controle foi idêntica, exceto que aos participantes nesse grupo não foi dada a informação de que a descrição sobre Nathalie era falsa e que eles a avaliaram somente uma vez.

Os indivíduos no grupo experimental inicialmente avaliaram Nathalie muito mais negativamente do que os participantes no grupo de controle. Isso não foi surpreendente, considerando que eles tinham acabado de saber que ela era uma ladra e uma traficante de drogas. A pergunta interessante é se a habilidade cognitiva dos participantes da pesquisa prediria a mudança de atitude, isto é, o grau a que os participantes no grupo experimental avaliariam Nathalie mais favoravelmente após ser dito que aquela informação sobre ela era falsa. E, sim, predisse. Os participantes de elevadas habilidades cognitiva reclassificaram mais suas avaliações sobre Nathalie do que os de menor habilidade cognitiva. Os sujeitos com menor capacidade cognitiva tiveram mais dificuldade em mudar sua primeira impressão negativa sobre Nathalie.

E isso continuou verdadeiro mesmo depois que os pesquisadores analisaram estatisticamente sobre o nível dos participantes em relação a flexibilidade mental (a disposição de mudar de opinião quando errados) e autoritarismo (intolerância para com o outro) quando avaliados no teste de personalidade. Assim, mesmo se uma pessoa fosse de mente aberta e tolerante, um baixo nível de capacidade cognitiva a colocara em risco de ser injustificadamente dura em sua segunda avaliação de Nathalie.

Uma possível explicação para este achado é baseada na teoria de que a capacidade cognitiva de uma pessoa reflete o quão bem eles podem regular o conteúdo da memória de trabalho — seu “espaço de trabalho mental” para processar informações. Primeiramente proposta pelos psicólogos cognitivos Lynn Hasher e Rose Zacks, esta hipótese sustenta que algumas pessoas são mais propensas a “desordem mental” do que outras pessoas. Em outras palavras, algumas pessoas são menos capazes de descartar (ou de “inibir”) as informações de sua memória de trabalho que não são mais relevantes para a tarefa em mãos — ou, como no caso de Nathalie, a informação que foi desacreditada.

Uma pesquisa sobre envelhecimento cognitivo indica que, na idade adulta, essa capacidade diminui consideravelmente com o passar do tempo, sugerindo que os adultos mais velhos também podem ser especialmente vulneráveis a notícias falsas. Outra razão pela qual a capacidade cognitiva pode prever vulnerabilidade à notícia falsa é que ela está altamente correlaciona com a educação. Através da educação, as pessoas podem desenvolver habilidades meta-cognitivas — estratégias para monitorar e regular o próprio pensamento — que podem ser usados para combater os efeitos da má informação.

Enquanto isso, outras pesquisas estão lançando luz sobre os mecanismos subjacentes aos efeitos das informações erradas. Repetir uma alegação falsa aumenta a sua credibilidade, dando-lhe um ar do que Stephen Colbert famosa chamada de “truthiness” (uma palavra que não tem tradução exata para o português e resulta da junção de “truthfulness”, veracidade, com faithfulness”, fidelidade; uma tradução possível é “verdade subjetiva”). Conhecida como efeito da ilusão de verdade, este fenômeno foi demonstrado pela primeira vez por Hasher e seus colegas. Em cada um dos três dias, os participantes da pesquisa ouviam declarações plausíveis e avaliavam cada uma sobre se eles pensavam que fosse verdade. Metade das declarações eram de fato verdadeiras, como a área da Austrália é aproximadamente igual na área para os Estados Unidos continental, enquanto a outra metade eram de afirmações falsas, como Zachary Taylor foi o primeiro presidente estadunidense a morrer no cargo (foi William Henry Harrison).

Algumas das declarações foram repetidas em alguns dias, enquanto outras foram apresentadas apenas uma vez. Os resultados mostraram que a avaliação média da verdade aumentou de dia para dia para as declarações repetidas, mas manteve-se constante para as declarações que foram não repetidas, indicando que os indivíduos confundiram familiaridade com veracidade.

Pesquisas mais recentes revelam que mesmo o conhecimento da verdade não protege necessariamente contra a ilusão da verdade. Em um estudo de 2015 publicado no Journal of Experimental Psychology: General, Lisa Fazio e seus colegas pediram a participantes para que classificassem um conjunto de declarações sobre o quão interessante eles as consideravam. Seguindo o procedimento de Hasher e colegas, algumas das declarações eram verdadeiras, enquanto outras eram falsas. Os participantes então avaliavam um segundo conjunto de declarações sobre a verdade subjetiva em uma escala de seis pontos, indo de definitivamente falsa para definitivamente verdadeira. Algumas das afirmações foram repetidas desde o primeiro conjunto, enquanto outros eram novos. Finalmente, os participantes fizeram um teste de conhecimento que incluía questões baseadas nas afirmações apresentadas. Os resultados revelaram que a repetição aumentou a percepção dos indivíduos sobre a verdade subjetiva das falsas afirmações, mesmo para declarações que eles sabiam serem falsas. Por exemplo, mesmo se um participante tenha responde corretamente Oceano Pacífico à pergunta “Qual é o maior oceano na Terra?” no teste de conhecimento, eles ainda tendiam a dar à falsa resposta de que o Oceano Atlântico é o maior oceano na Terra uma maior classificação de verdade se a pergunta fosse repetida. Quando uma alegação se fizesse parecer familiar através da repetição, os indivíduos negligenciavam consultar sua própria base de conhecimento ao classificar a veracidade da alegação.

Estes estudos se somam à compreensão científica do problema das falsas notícias, que está fornecendo uma base para uma abordagem baseada em evidências ao encarar o problema. Uma recomendação que segue da pesquisa na do efeito ilusão da verdade é usar o seu próprio verificador do fato. Se você está convencido de que alguma afirmação é verdadeira, pergunte-se por quê. É por que você tem provas credíveis de que a afirmação é verdadeira, ou é só por que você se deparou repetidamente com a afirmação? Igualmente pergunte-se se você sabe de alguma evidência que refute a reivindicação. (Você pode simplesmente ficar surpreso ao descobrir.) Este tipo de recomendação poderia ser promovido através de anúncios de serviço público, que têm sido mostrados eficazes para coisas como levar as pessoas a poluir menos e reciclar mais. Por sua vez, pesquisa sobre as diferenças individuais na susceptibilidade a notícias falsas, como o estudo de De Keersmaecker e Roets, pode ajudar a identificar pessoas que são particularmente importantes de serem alcançadas por este tipo de campanha informativa.

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