Sinais potenciais de vida são encontrados em Vênus

SoCientífica
Ilustração artística retratando moléculas de fosfina na atmosfera de Vênus. (Imagem: ESO/ M. Kornmesser/ L. Calçada/ NASA/ JPL-Caltech/ Royal Astronomical Society/ Attribution: CC BY 4.0)

Cientistas encontraram evidências convincentes de que podemos não estar sozinhos no universo. Uma bioassinatura foi encontrada em abundância na atmosfera de Vênus, entre 60 e 130 quilômetros da superfície, indicando sinais potenciais de vida no planeta.

A descoberta foi realizada por pesquisadores do Reino Unido e dos Estados Unidos utilizando dados dos telescópios James Clark Maxwell, no Havaí, e Atacama Large Millimeter Array (ALMA), no Chile. Os dados da descoberta foram publicados hoje (14) na revista Nature Astronomy e revisados por pares.

Pesquisas anteriores apontavam que certos gases na atmosfera de outros mundos poderiam indicar vida, como o oxigênio (O2). Outros gases, contudo, também estavam sendo estudados como possíveis indicadores, como a fosfina (PH3).

Uma molécula produzida pela vida?

O conhecimento convencional indica que o gás de fosfina só é gerado, na Terra, por organismos anaeróbicos (que não necessitam de oxigênio para sobreviver) ou manipulação laboratorial. Essas são as duas únicas formas conhecidas de sua origem, e em Vênus não há nenhum cientista extraterrestre para produzi-lo. Portanto, a hipótese mais provável é que algum tipo de vida microbiana o esteja produzindo.

Apesar de conhecerem somente duas razões para a fosfina existir, os pesquisadores levaram em consideração alguns cenários prováveis para a sua existência sem a presença de vida e o resultado foi nulo. Por esse motivo, eles esperam que, com a publicação desta nova descoberta, outros cientistas possam ajudá-los a compreender essa misteriosa bioassinatura num planeta que, por muitos, é considerado hostil para a vida.

“Agora, astrônomos vão pensar em todas as formas de justificar a fosfina na ausência de vida, e eu me alegro com isso. Por favor, considerem, porque estamos no final de nossas possibilidades de mostrar processos abióticos que podem produzir fosfina”, disse Clara Sousa-Silva, co-autora do artigo, em uma declaração.

“Encontrar fosfina em Vênus foi um prêmio inesperado! A descoberta levanta muitas dúvidas, como, por exemplo, de que maneira organismos poderiam sobreviver. Na Terra, alguns micróbios podem lidar com até cerca de 5% de ácido em seu ambiente, mas as nuvens de Vênus são quase inteiramente feitas de ácido”, complementa.

Post May 2013 10 1
A superfície de Vênus é uma paisagem infernal. No entanto, algumas camadas de suas nuvens ostentam temperaturas e pressões surpreendentemente hospitaleiras. (Imagem: Greg S. Prichard)

Uma descoberta inesperada

Foram necessários seis meses de análises de dados para os pesquisadores dizerem com certeza que haviam detectado fosfina na atmosfera de Vênus. E o principal objetivo do estudo não era a fosfina, na verdade.

“Esta foi uma experiência feita por pura curiosidade, aproveitando a poderosa tecnologia do JCMT, e pensando em instrumentos futuros. Pensei que seríamos capazes de descartar cenários extremos, como as nuvens sendo recheadas de organismos. Quando tivemos os primeiros indícios de fosfina no espectro de Vênus, foi um choque!”, disse Jane Greaves, principal autora do estudo.

A quantidade de fosfina que encontraram em Vênus seria o equivalente à produzida por 10% de organismos terrestres, considerado um valor relativamente alto e que processos geofísicos e geoquímicos, analisados pelos pesquisadores, não conseguiriam gerar.

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Para gerar o gás de fosfina, os organismos anaeróbicos terrestres absorvem minerais de fosfatos e adicionam ao ingrediente hidrogênio. Como não precisam de oxigênio para realizar esse processo, isso surge como outro indício que reforça a hipótese de que os gases de Vênus também possam estar sendo produzidos por organismos semelhantes.

“Isto significa que ou se trata de vida, ou é algum tipo de processo físico ou químico que não esperamos que aconteça em planetas rochosos. Nós realmente percorremos todos os caminhos possíveis que poderiam produzir fosfina em um planeta rochoso. Se isto não é vida, então nossa compreensão dos planetas rochosos é gravemente deficiente”, disse Janusz Petkowski, co-autor do estudo.

Vênus tem a mesma idade da Terra e especula-se que, por estar na zona habitável e ser um planeta rochoso, seu passado pode ter sido semelhante ao do nosso planeta, de uma atmosfera estável, um clima agradável e água em abundância — características que favorecem a evolução da vida.

Alguns cientistas planetários, como Carl Sagan e Harold Morowitz, especularam que a vida desses tempos remotos poderia ter se adaptado à abrupta alteração da superfície do planeta e acabou prosperando em sua atmosfera.

“Muito tempo atrás, se supõe que Vênus tinha oceanos, e provavelmente era habitável como a Terra. Como Vênus se tornou menos hospitaleiro, a vida teria que se adaptar, e agora ela poderia estar neste limitado ambiente atmosférico onde ela ainda pode sobreviver”, disse Clara Sousa-Silva.

O desejo dos pesquisadores é que a pesquisa por bioassinaturas em atmosferas extraterrestres, principalmente a de Vênus, aumente significativamente, já que os indícios primários de vida são bastante animadores.

Agora, os pesquisadores irão focar no estudo que reforce a possibilidade de vida no planeta Vênus. Um dos principais objetivos é encontrar evidências de variações diárias ou sazonais nos dados coletados, assim como tentar identificar novas bioassinaturas.

Recentemente, os mesmos pesquisadores deste estudo descreveram um possível ciclo de vida nas nuvens de Vênus, como uma forma de adaptação às condições letais oferecidas pelo planeta.

Venusfloatingmicrobes
O ciclo de vida proposto para os micróbios que sobrevivem nas nuvens ácidas de Vênus é visto nesta ilustração. (1) Os micróbios desidratados sobrevivem em estado vegetativo na camada inferior da atmosfera de Vênus. (2) Os esporos são levantados pelas correntes de ar na camada habitável. (3) Uma vez encapsulados por líquido, os esporos tornam-se ativos metabolicamente. (4) Estes micróbios se dividem e as gotículas crescem através da coagulação. (5) As gotículas crescem suficientemente grandes para afundar na atmosfera, onde começam a evaporar devido a temperaturas mais altas, levando os micróbios a se transformarem em esporos que flutuam na camada mais baixa da atmosfera. (Imagem: Seager et al.)

Para reforçar essa hipótese, missões deveriam ser enviadas a Vênus para coletar amostras de suas nuvens. Para Dirk Schulze-Makuch, professor da Universidade Técnica de Berlim e que não está envolvido na pesquisa, primeiro uma missão de sobrevoo deveria coletar dados nas camadas mais baixas das nuvens de Vênus. Caso moléculas orgânicas sejam encontradas, uma nova missão mais engenhosa de coleta deve ser realizada para, assim, trazer essas amostras de volta à Terra. Porém, um dos percalços poderia ser o orçamento dessas missões, que seriam extremamente caras.

“Se encontrarmos orgânicos no local, então… ok, nós realmente temos que olhar para isso”, disse Dirk Schulze-Makuch à revista Astronomy.

Até novas evidências corroborarem com a descoberta de fosfina em Vênus, a comunidade científica ainda ficará com um pé atrás quanto à realidade de vida no planeta. Mas as consequências da descoberta são imensuráveis. Nossa perspectiva do universo e da busca por vida fora da Terra foram completamente atualizadas.

“Se de fato encontramos vida fora da Terra, ela coloca nossa própria existência em perspectiva. Mas também nos diz que a vida seria muito mais comum do que imaginávamos inicialmente. E existe uma enorme gama de possibilidades na galáxia da vida, com diferentes bioquímicas e anseios”, disse Clara Sousa-Silva em uma declaração.

O artigo científico foi publicado no periódico da Nature Astronomy. Publicação original SoCientífica.

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