Quebra de simetria temporal produz moléculas capazes de codificar informações

SoCientífica
Resultado teórico obtido em estudo feito por cientistas da Unesp, com apoio da FAPESP, poderá ser explorado no desenvolvimento da computação quântica. Trabalho foi publicado na Scientific Reports (imagens representam densidades dos sistemas estudados / Scientific Reports)

Um grupo de pesquisadores da Universidade Estadual Paulista (Unesp) descreveu, em estudo publicado na revista Scientific Reports, um resultado teórico importante que poderá contribuir para o desenvolvimento da computação quântica e da spintrônica, a tecnologia baseada nos spins ou momentos angulares dos elétrons.

O estudo foi coordenado por Antonio Carlos Seridonio, professor no Departamento de Física e Química da Unesp, no âmbito de um Auxílio à Pesquisa da FAPESP com participação de seus pós-graduandos Yuri Marques, Willian Mizobata e Renan Oliveira.

Os pesquisadores observaram que, em sistemas chamados de semimetais de Weyl, a quebra de simetria temporal produz moléculas com a capacidade de codificar informações.

Esses sistemas são uma espécie de versão tridimensional do grafeno e estão associados a um tipo muito peculiar de objetos, os férmions de Weyl. Esses férmions são partículas sem massa, quase-relativísticas e quirais. A expressão “quase-relativísticas” significa que se movimentam de forma similar aos fótons (“partículas” da luz), de modo que os efeitos da relatividade (como contração do espaço e dilatação do tempo) se fazem presentes.

A palavra “quiral” se aplica a objetos que não podem ser sobrepostos às suas imagens no espelho. Uma esfera é aquiral, ao passo que as mãos direita e esquerda são quirais. No caso dos férmions de Weyl, a quiralidade faz com que se comportem como monopolos magnéticos, ao contrário de todos os objetos magnéticos do mundo trivial, que se comportam como dipolos.

Os férmions de Weyl foram propostos em 1929, pelo matemático, físico e filósofo alemão Hermann Weyl (1885-1955), como uma solução possível para a equação de Dirac. Formulada pelo físico teórico britânico Paul Dirac (1902-1984), essa equação combina princípios da mecânica quântica e da relatividade especial e descreve o comportamento de elétrons, quarks e outros objetos.

Entes hipotéticos, os férmions de Weyl jamais foram encontrados livremente na natureza. Mas estudos realizados em 2015 mostraram que certos fenômenos podem ser explicados a partir deles.

Assim como os férmions de Majorana, que também constituem soluções para a equação de Dirac, os férmions de Weyl se manifestam como quase-partículas em sistemas moleculares de matéria condensada.

Esse campo temático, no qual convergem a Física de altas energias e a Física da matéria condensada, tem mobilizado um grande esforço de pesquisa. E não só pela possibilidade que oferece para o desenvolvimento da ciência básica. Mas também porque as peculiaridades dessas quase-partículas poderão eventualmente ser utilizadas para codificar informações no âmbito da computação quântica.

O novo estudo, conduzido no Departamento de Física e Química da Unesp, em Ilha Solteira, avançou nesse sentido.

“Estudamos teoricamente moléculas compostas por átomos muito afastados. Essas moléculas não seriam viáveis fora do contexto de Weyl, porque a distância entre os átomos não possibilita que eles formem entre si ligações covalentes, isto é, de compartilhamento de elétrons. Nós demonstramos que a quiralidade do espalhamento de elétrons nos semimetais de Weyl leva à formação de ligações químicas magnéticas”, disse Selidonio à Agência FAPESP.

Exemplos de semimetais de Weyl são o arseneto de tântalo (TaAs), o arseneto de nióbio (NbAs) e o fosfeto de tântalo (TaP).

“Nesses materiais, os férmions de Weyl desempenham um papel análogo ao dos elétrons no grafeno. Mas, enquanto o grafeno constitui um sistema quase bidimensional, esses materiais são plenamente tridimensionais”, disse Seridonio.

O estudo teórico mostrou que, em tais sistemas, os férmions de Weyl aparecem como desdobramentos do férmion de Dirac – categoria que engloba todas as partículas materiais do chamado Modelo Padrão, com exceção talvez dos neutrinos.

O desdobramento ocorre no ponto em que a banda de condução (espaço onde circulam os elétrons livres) toca a banda de valência (camada mais externa de elétrons dos átomos).

“Uma quebra de simetria faz com que esse ponto, o nó de Dirac, se divida em um par de nós de Weyl, com quiralidades opostas. Em nosso estudo, o que fizemos foi quebrar a simetria de reversão temporal”, disse Seridonio.

A simetria de reversão temporal possibilita inverter o sentido do eixo do tempo. “Com a quebra de simetria, a molécula resultante passa a apresentar orbitais spin-polarizados”, disse.

Nos sistemas moleculares usuais, os elétrons com spin para cima e os elétrons com spin para baixo apresentam-se igualmente distribuídos na nuvem eletrônica. Mas isso não acontece nos sistemas de Weyl.

“O resultado é uma molécula cujas nuvens eletrônicas com spin para cima e para baixo são espacialmente diferentes. E é essa peculiaridade que se presta à codificação de informações, porque é possível associar à molécula o binário 0-1, que constitui o bit ou unidade básica de informação”, disse Seridonio.

O artigo científico pode ser lido clicando aqui.

Este texto foi originalmente publicado por Agência FAPESP de acordo com a licença Creative Commons CC-BY-NC-ND. Leia o original aqui.

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