Muitos devem conhecer ou ter ouvido falar da famosa e tão amada Teorias das Cordas. Mesmo com tanta admiração e encanto que ela expressa, contudo, têm alguns grandes problemas: elas parecem coerente apenas se o espaço-tempo possui dez ou 26 dimensões, e não as quatro comuns (três espaciais e uma temporal). Claro, dimensões extras do espaço-tempo são lugar-comum na ficção científica e constituem a forma ideal de superar a restrição normal da relatividade geral de que não se pode viajar mais rápido do que a luz ou voltar no tempo.
A ideia é tomar um atalho pelas dimensões extras. Podemos conceber isso da seguinte maneira: imagine que o espaço onde vivemos tenha apenas duas dimensões e seja curvado como a superfície de uma argola ou um toroide [veja a figura abaixo]. Se você estivesse de um lado na borda interior do toroide (ponto A) e quisesse chegar a um ponto do lado oposto (ponto B), teria que circundar a borda interna. No entanto, se fosse capaz de viajar nas três dimensões, poderia atravessar direto de um lado para o outro (na reta vermelha AB).
Por que não percebemos todas essas dimensões extras se elas de fato existem? Por que vemos apenas três dimensões espaciais e uma temporal? A sugestão é que as outras dimensões estão enroladas em um espaço de tamanho minúsculos, algo em torno de um milionésimo de um milionésimo de um milionésimo de um milionésimo de centímetros. Isso é tão pequeno que simplesmente não percebemos: vemos apenas uma dimensão temporal e três dimensões espaciais, nas quais o espaço-tempo é razoavelmente plano. É como a superfície de um canudo. Se você o observa de perto, vê que ele é bidimensional (a posição de um ponto no canudo é descrita por duas grandezas: o comprimento ao longo do canudo e a distância em torno da direção circular). Mas, se olharmos para ele de longe, não notamos sua espessura e ele parece unidimensional (a posição de um ponto é especificada apenas pelo comprimento ao longo do canudo). Isso aconteceria também com o espaço-tempo: em uma escala muito diminuta, ele é decadimensional e muito curvado, mas,em escalas maiores, não vemos a curvatura ou as dimensões extras. Se esse cenário estiver correto, é uma má notícia para os candidatos a viajantes espaciais: as dimensões extras seriam minúsculas demais para permitir a passagem de uma espaçonave. Contudo, suscita outro grande problema. Por que algumas dimensões, mas não todas, estariam enroladas em pequena escala? Presume-se que, no universo muito primitivo, todas as dimensões teriam sido muito recurvadas. Por que uma dimensão temporal e três dimensões espaciais se achataram, ao passo que as outras permanecem bem enroladas?
Uma resposta possível é o princípio antrópico. Duas dimensões espaciais não parecem ser bastante para permitir o desenvolvimento de seres complexos como nós. Por exemplo, animais dimensionais vivendo em um planeta Terra unidimensional teriam de subir uns nos outros para se ultrapassarem. Se uma criatura bidimensional comesse algo que não pudesse digerir por completo, teria de devolver os restos da mesma forma que engoliu, pois, se houvesse uma passagem direta por seu corpo, dividiria a criatura em duas metades.
Também haveria problemas com mais do que três dimensões espaciais. A força gravitacional entre dois corpos diminuiria mais depressa com a distância do que acontece nas três dimensões. (Em três dimensões, a força gravitacional diminui 1/4 se dobrarmos a distância. Em quatro dimensões, ela diminuiria para 1/8, em cinco dimensões, para 1/16, e assim por diante). O resultado seria que as órbitas dos planetas, como a Terra, em torno do Sol seriam instáveis: a menor perturbação de uma órbita circular (tal como a que seria causada pela atração gravitacional de outros planetas) resultaria na Terra girando para longe ou direto para dentro do Sol. Morreríamos congelados ou queimados. Na verdade, o mesmo comportamento da gravidade em relação à distância em mais de três dimensões espaciais significaria que o Sol não seria capaz de existir em uma condição estável de pressão contrabalanceando a gravidade. Ele seria despedaçado ou entraria em colapso para formar um buraco negro.
De um jeito ou de outro, não seria muito útil como fonte de calor e luz para a vida. Em escala menor, as forças elétricas que levam os elétrons a orbitar o núcleo de um átomo se comportariam da mesma maneira que as forças gravitacionais. Assim, os elétrons escapariam completamente dos átomos ou cairiam no núcleo. Em todo caso, não haveria átomos como os conhecemos.
Outros problema, com o princípio antrópico fraco, é que há pelo menos quatro teorias das cordas (uma teoria das cordas abertas e três teorias de cordas fechadas) e milhões de maneiras nas quais as dimensões adicionais previstas pela teoria das cordas poderiam estar enroladas. por que escolher apenas uma teoria e um tipo de enrolamento? Por algum tempo, parecia não haver resposta, e o progresso ficou empacado. Até em 1994, veio em tona a teoria chamada p-branas, que ocupariam volumes bidimensionais ou dimensões mais altas no espaço. Mas esse assunto podemos tratar em outra publicação!
No fim, podemos fazer duas perguntas: será que pode existir de fato uma teoria unificada? Ou estamos apenas perseguindo uma miragem? Parece haver três possibilidades:
- Há de fato uma teoria unificada completa (ou uma série de formulações que se sobrepõem) que um dia descobriremos, se formos inteligente o bastante.
- Não existe teoria definitiva do Universo, apenas uma sequência infinita de teorias que descrevem o Universo com precisão cada vez maior.
- Não há teoria do Universo: os eventos só podem ser previstos até certo ponto, e o restante ocorre de maneira aleatória e arbitrária.
Texto adaptado de: A Brief History of Time – Stephen Hawking (Cap.:11)