Patógenos antigos liberados por geleiras derretidas podem causar estragos no mundo

SoCientífica
Recriação artística por inteligência artificial.

O universo da ficção científica frequentemente nos cativa com histórias de organismos mortais emergindo do gelo derretido, causando estragos em humanos desprevenidos. De alienígenas metamorfos na Antártida a superparasitas de mamutes lanosos em degelo, o conceito é maravilhoso para enredos. Mas até que ponto isso é plausível? Será possível que patógenos congelados há muito tempo possam ressurgir do gelo derretido e devastar ecossistemas modernos? Infelizmente, a resposta é muito real.

Perigos ocultos revelados

Em 2003, cientistas conseguiram reviver bactérias a partir de amostras de núcleo de gelo extraídas do planalto Qinghai-Tibet, com mais de 750.000 anos de idade. Pouco mais de uma década depois, um vírus chamado Pithovirus sibericum, conhecido como “vírus zumbi”, foi revivido do permafrost siberiano que havia permanecido congelado por 30.000 anos. Em seguida, em 2016, um surto de antraz no oeste da Sibéria foi atribuído ao rápido degelo de esporos de Bacillus anthracis no permafrost, resultando na morte de milhares de renas e afetando diversas pessoas.

Mais recentemente, pesquisadores descobriram similaridades genéticas impressionantes entre vírus encontrados em sedimentos de lagos árticos e possíveis hospedeiros vivos. O clima da Terra está aquecendo em um ritmo alarmante, especialmente em regiões mais frias, como o Ártico, onde o aquecimento é até quatro vezes mais rápido. Estima-se que cerca de quatro sextilhões de microorganismos sejam liberados anualmente no ambiente devido ao derretimento do gelo. Para se ter uma ideia, isso é aproximadamente igual ao número estimado de estrelas no universo.

Apesar desse número impressionante de microorganismos sendo liberados, incluindo patógenos potencialmente infecciosos, o risco que representam para os ecossistemas modernos ainda é desconhecido. Um novo estudo publicado na revista PLOS Computational Biology busca elucidar os riscos ecológicos associados à liberação de vírus antigos.

Revelando os riscos

Utilizando um software chamado Avida, os cientistas conduziram experimentos simulando a liberação de um patógeno antigo específico em comunidades biológicas modernas. Eles mediram o impacto desse patógeno invasor na diversidade de bactérias hospedeiras modernas em milhares de simulações, comparando-as com cenários sem invasão.

Os resultados foram preocupantes. Os patógenos invasores frequentemente sobreviveram e evoluíram no mundo moderno simulado. Em cerca de 3% dos casos, o patógeno se tornou dominante no novo ambiente, levando a perdas substanciais na diversidade de hospedeiros modernos. No pior dos casos, que ainda é totalmente plausível, a invasão reduziu o tamanho da comunidade hospedeira em 30% em comparação com simulações controladas.

Bacillus anthracis
Bacillus anthracis. Imagem: William A. Clark/USCDCP

Uma ameaça iminente

Embora o risco representado por essa pequena fração de patógenos possa parecer insignificante, é crucial lembrar que esses resultados derivam da liberação de apenas um patógeno específico em ambientes simulados. Com o imenso número de micróbios antigos sendo liberados no mundo real, esses surtos representam um perigo significativo.

Descobertas sugerem que essa ameaça antes considerada fictícia poderia se tornar um poderoso impulsionador de mudanças ecológicas. Embora não tenhamos modelado o risco potencial para os humanos, o estabelecimento e a grave degradação das comunidades hospedeiras por patógenos “viajantes do tempo” já é uma perspectiva preocupante.

Considerando a extinção e as doenças

Este estudo destaca mais uma fonte potencial de extinção de espécies em nossa era moderna, uma que nossos piores modelos de extinção têm negligenciado. Como sociedade, devemos compreender esses riscos potenciais para nos prepararmos adequadamente.

Vírus notáveis, como o SARS-CoV-2, Ebola e HIV, provavelmente tiveram origem em contato com hospedeiros animais. Portanto, é plausível que um vírus antes aprisionado no gelo possa entrar na população humana por meio de uma via zoonótica. Embora a probabilidade de um patógeno emergir do gelo derretido e causar extinções catastróficas seja baixa, nossos resultados demonstram que isso não é mais uma fantasia para a qual devemos ficar despreparados.

Embora esses patógenos possam ser microscópicos e estejam longe dos gigantescos insetos carnívoros vistos em filmes de ficção científica, não devemos subestimar os riscos que eles representam.

FONTE: Ancient pathogens released from melting ice could wreak havoc on the world, new analysis reveals

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