O mundo vive uma emergência climática. A temperatura da Terra já subiu mais de 1º C desde o início da Revolução Industrial e o ritmo do aquecimento global tem se acelerado. Uma temperatura de 1,5º C acima do nível médio do século passado pode ser atingida na década de 2030 e a marca de 2º C (prevista como limite máximo do Acordo de Paris) pode ser atingida até meados do século XXI. Os efeitos deste processo podem ser catastróficos como mostrou – com base em dados científicos – o jornalista David Wallace-Wells, no livro Terra Inabitável (2019).
A concentração de dióxido de carbono (CO2) na atmosfera aumentou de aproximadamente 277 partes por milhão (ppm) em 1750, no início da era industrial, para cerca de 410 ppm em 2019. O aumento de CO2 atmosférico acima dos níveis pré-industriais foi causado, inicialmente, pela liberação de carbono na atmosfera do desmatamento e outras atividades de mudança no uso da terra. Embora as emissões de combustíveis fósseis tenham começado antes da era industrial, elas só se tornaram a fonte dominante de emissões antropogênicas para a atmosfera por volta de 1950 e sua participação relativa continuou a aumentar até o presente.
Os países ricos e desenvolvidos foram os principais responsáveis pelas emissões de CO2 no século XX e, sem dúvida, responderam pelas maiores emissões históricas de gases de efeito estufa (GEE). Contudo, o crescimento demoeconômico dos países de renda média e baixa fez com que as nações do “Terceiro Mundo” passassem a liderar as emissões no século XXI.
O gráfico abaixo mostra que a OCDE (proxy dos países ricos) respondia por mais da metade das emissões de CO2 até o fim do século XX, mas diminuiu o ritmo das emissões na primeira década do século XXI e apresentou redução das emissões depois da crise econômica de 2008/09. Já os países de renda média e baixa assumiram a liderança das emissões no século XXI.
Evidentemente, o maior aumento das emissões ocorreu na China que é o país mais populoso do mundo e que apresentou, nas últimas 4 décadas, as maiores taxas de crescimento econômico da história. Mas a China já possui uma população em idade ativa em declínio e tem avançado rapidamente na mudança da matriz energética, o que tem possibilitado reduzir o ritmo das emissões de GEE no gigante asiático.
A Índia – o segundo país mais populoso e que vai ultrapassar a China na próxima década – emite menos que a China, mas é o país que apresenta as maiores taxas de emissão de CO2 entre as três principais nações mais populosas e mais poluidoras (China, EUA e Índia). A Índia está na iminência de ultrapassar a União Europeia no ranking das emissões de GEE. A Rússia, pós regime soviético, diminuiu as emissões, mas continua a ocupar o 4º lugar entre as nações mais poluidoras. O Japão ocupa a 5ª posição e a Alemanha a 6ª posição no ranking dos maiores poluidores. O Brasil, com a destruição da Amazônia e do Cerrado, fica entre os 10 mais.
Mas a grande novidade e o grande destaque do século XXI é o aumento acelerado das emissões de GEE nos países do resto do mundo que não fazem parte da OCDE (e fora China, Índia e Rússia). Entre 1959 e 2017 a Ásia aumentou em 12,6 vezes suas emissões, a África aumentou 9 vezes e a OCDE aumentou 2,2 vezes. No período mais recente, entre 2000 e 2017 a Ásia aumentou em 2 vezes suas emissões, a África aumentou 1,5 vezes e a OCDE reduziu em 10% suas emissões.
O gráfico abaixo mostra a participação dos países ricos (OCDE) e do restante do mundo (países de renda média e baixa) na emissão de CO2. Nota-se que a OCDE liderava as emissões antes dos anos 1980, apresentou um certo empate nas duas últimas décadas do século XX e houve uma inversão das curvas no século XXI, com os países do “Terceiro Mundo” aumentando significativamente a participação e a responsabilidade no total das emissões globais. Nota-se, adicionalmente, que os EUA e a União Europeia (28 países) – os dois principais poluidores históricos – tem reduzido a participação no conjunto das emissões. Ou seja, cerca de dois terços das emissões de CO2, em 2017, foram do restante do mundo e um terço dos países da OCDE.
Indubitavelmente, as emissões per capitas são muito maiores na OCDE do que no restante do mundo. Contudo, para considerar as emissões nacionais é preciso considerar não somente as emissões per capita, mas também o tamanho da população. Em 1959, os países da OCDE tinham uma população de 787,2 milhões de habitantes e o restante do mundo, com 2,2 bilhões de habitantes era 2,8 vezes maior. Mas em 2017, a população da OCDE passou para 1,29 bilhão de pessoas e o restante do mundo com 6,25 bilhões de habitantes era 4,8 vezes maior.
De fato, como mostra o gráfico abaixo, com dados da Divisão de População da ONU, entre os 2,5 bilhões de habitantes de 1950, 814 milhões pertenciam aos países mais desenvolvidos e 1,72 bilhão aos países menos desenvolvidos. Mas, entre os 7,79 bilhões de habitantes de 2020, 1,27 bilhão pertenciam aos países desenvolvidos e 6,5 bilhões aos países menos desenvolvidos.
Além da diferença no crescimento demográfico, os países pobres e em desenvolvimento apresentam taxas mais elevadas de crescimento econômico, pois partem de uma base mais baixa e lutam para reduzir a pobreza e aumentar o bem-estar. O gráfico abaixo, com dados do FMI, em poder de paridade de compra, mostra que as economias avançadas (países ricos) representavam cerca de 60% da economia global no final do século XX e as economias emergentes (países pobres e de renda média) representavam 40%. Atualmente, a correlação de forças se inverteu e existe uma tendência de ampliação das economias emergentes.
Os países emergentes da Ásia estão na liderança da economia internacional, com um crescimento médio em torno de 6,5% ao ano na atual década. Os países da África Subsaariana tem apresentado crescimento em torno de 4% na atual década. Já os países latino-americanos tem crescido abaixo de 2% ao ano na atual década. No agregado, as economias avançadas estão crescendo em torno de 1,7% entre 2011 e 2024, enquanto as economias emergentes estão crescendo em torno de 4,8% ao ano no período.
Portanto, embora tenham padrões de vida bem desiguais, o impacto negativo do crescimento demoeconômico sobre a crise climática, no século XXI, será maior nas economias emergentes, sendo, causticamente falando, os referidos países de renda baixa e média que vão sofrer as principais consequências dos sinais do colapso climático e ambiental que se avizinha no horizonte.
O grande paradoxo da atualidade é o dilema entre a necessidade de desenvolvimento socioeconômico para reduzir a pobreza e aumentar o bem-estar humano nos países em desenvolvimento e a preservação do meio ambiente e do equilíbrio climático. O fato é que, no modelo hegemônico de produção e consumo, os países ricos “estouraram o orçamento de carbono e ambiental” e o erguimento dos países pobres e de renda média se dá às custas do aprofundamento da degradação ecológica e climática.
Assim, é necessário promover um “cavalo de pau” na economia global. O mundo precisa romper com o “conto de fadas” do crescimento demoeconômico e começar a enfrentar as injustiças das desigualdades de renda e patrimônio e iniciar o planejamento do decrescimento das atividades antrópicas, para colocar a Pegada Ecológica em equilíbrio com a Biocapacidade da Terra (atualmente o déficit ambiental é de 70%).
Insistir na permanência do rumo do crescimento demoeconômico continuado é caminhar no sentido do abismo. Abismo gerado pela ultrapassagem da capacidade de carga e pelo desequilíbrio homeostático do clima da Terra. Por conta disto, o grupo “Extinction Rebellion” (XR) exige que os governos contem a verdade à sociedade declarando uma emergência climática e ecológica. A adolescente ativista Greta Thunberg disse: “Quero que vocês ajam como se nossa casa estivesse pegando fogo. Porque está” (THUNBERG, 25/01/2019). Há, nitidamente, um conflito intergeracional no mundo, pois a juventude atual se sente traída e não aceita “solução band-aid” e nem quer receber como herança uma Terra arrasada. A emergência climática é uma questão geracional e existencial. O futuro de todas as gerações está em perigo.
Desta forma, sem dúvida, é necessário mudar o estilo de vida da população mundial e reduzir as desigualdades sociais, mas a principal medida de mitigação da crise climática é o planejamento de longo prazo do decrescimento demoeconômico. Mesmo assim, os problemas ecológicos já estão “contratados” e cerca de 5 bilhões de pessoas vão ser impactadas pela crise ambiental até 2050 (CHAPLIN-KRAMER, 2019). Neste sentido, o planejamento do decrescimento populacional na segunda metade do século XXI pode contribuir para a adaptação às mudanças climáticas e ao colapso ambiental.
Em síntese, existem muitas coisas para serem feitas e muita rebelião para enfrentar as ameaças de extinção. Mas também não dá para ignorar a resistência das forças fundamentalistas e dogmáticas, de direita e de esquerda – configurando o pronatalismo antropocêntrico e ecocida – forças estas quer interditam o debate demográfico sobre a necessidade de redução do número de habitantes do Planeta. Porém, fica cada vez mais claro que a reversão do crescimento populacional é uma medida fundamental e essencial tanto para a adaptação, quanto para a mitigação da crise climática e ambiental.
Este artigo foi originalmente publicado em EcoDebate.