O que é uma singularidade?

Jônatas Ribeiro
Imagem: Mark Garlick/GettyImages

O conceito de singularidade é interdisciplinar. Afinal, está presente tanto na física, quanto na matemática. Isso não é tão surpreendente quando consideramos a relação muito próxima desenvolvida entre essas duas áreas do conhecimento. Conta-se que Galileu Galilei, o grande cientista italiano, afirmou que “a matemática é o alfabeto com o qual Deus escreveu o universo”. E realmente, quando nos lembramos das ciências, da física, da química, e até mesmo da biologia vistas na escola, a matemática pode ser entendida como uma presença constante quando o ser humano tenta descrever a natureza.

A verdade é que existe mais de uma perspectiva filosófica quanto aos motivos da relação entre a ciência moderna e a matemática. Mas, de fato, a matemática é uma ferramenta fundamental para fazer, por exemplo, previsões teóricas em física. Ou para desenvolver modelos que descrevem a realidade. E sobre esses, podemos testá-los a partir de dados experimentais. A relatividade, por exemplo, para ser uma teoria reconhecida como é hoje, teve que ser comprovada por observações do universo.

A noção de singularidade, contudo, apesar de presente em teorias construídas a partir da matemática, é mais complicada. Isso porque ela não representa, de fato, algo físico. Mas sim, um ponto no espaço em que a física como conhecemos deixa de funcionar.

A matemática dos buracos negros

buraco negro
Imagem: solarseven/Getty Images

Qualquer estudante do primeiro ano de um curso de exatas, mesmo que não saiba ainda, encontra singularidades com frequência. Nas disciplinas de cálculo, é comum, por exemplo, encontrar expressões como y = 1/x. E, à medida que x se aproxima de zero, y aumenta, tendendo ao infinito. O problema é que o infinito não pode, na verdade, ser tomado como um número. Mas sim, algo mais geral, como um conceito matemático. Afinal, simplificando a questão, não se pode contar até infinito. Assim, mesmo se essa equação em questão descreve algo físico, o ponto em que x = 0 é impossível na natureza. Ou seja, uma singularidade.

Na física, as singularidades aparecem, por exemplo, na relatividade geral. E Karl Schwarzschild, um famoso astrofísico, aplicou as ideias de Einstein a um sistema de massa esférica, como uma estrela. A solução para as contas, então, continha esses pontos no centro do corpo e a uma certa distância do mesmo (o chamado raio de Schwarzschild). Assim, se comprimirmos a massa de um corpo dentro de um raio de Schwarzschild, o que ocorre é um processo de colapso em função da gravidade. O objeto, portanto, acaba sendo reduzido a um ponto infinitamente pequeno. Ou seja, o ponto da singularidade central, que permanece lá mesmo se trocássemos as coordenadas de referência para os cálculos.

É isso que ocorre com os famosos buracos negros. Isto é, são corpos, no caso, estrelas colapsadas, cuja densidade no centro é infinita. Ou seja, uma singularidade. E é essa região infinitamente pequena do espaço que não conseguimos descrever bem com nossa física. Para isso, é provável que precisaríamos de um novo modelo para a atração da gravidade. Para ser mais específico, um que compreenda forças muito intensas em minúsculas escalas de comprimento. Assim, uma teoria quântica da gravidade.

A singularidade do Big Bang

singularidade big bang
Imagem: Shutterstock

A teoria do Big Bang causou bastante polêmica em seus primeiros momentos. E isso tanto por suas implicações filosóficas, quanto até mesmo na comunidade científica. Um fato curioso, aliás, é que o criador do termo “Big Bang” propunha, na verdade, um modelo alternativo. Fred Hoyle, um dos grandes responsáveis por nossa compreensão sobre a produção de elementos químicos e energia em estrelas, defendia uma teoria de universo estacionário. Com o tempo, contudo, começaram a aparecer evidências sobre a expansão do universo. E, assim, o Big Bang, por meio da própria observação do universo, foi se tornando a teoria mais consolidada sobre a origem do tempo e espaço.

O problema é que o ponto em que ocorreu o Big Bang (ou seja, a “grande explosão”, do inglês) é, por si só, uma singularidade. Assim, mesmo bem sendo uma teoria muito bem sucedida, a teoria não está completa na compreensão do universo ao longo do tempo. E uma possibilidade teórica para resolver a questão poderia estar na teoria dos conjuntos causais. Nela, o espaço-tempo, já unido pela relatividade geral, não seria um contínuo. Mas sim, dividiria-se em pedaços. Como, por exemplo, “átomos de espaço-tempo”. E nada no universo seria menor do que eles, o que tornaria impossível a existência de singularidades.

O desafio é tentar descrever os momentos iniciais do Big Bang com essas ferramentas teóricas. Depois disso, o universo se tornaria gigante e “bem-comportado”. E então, o contínuo se tornaria uma boa aproximação. De qualquer forma, não há solução universal para preencher essa lacuna na nossa compreensão das coisas. Ou seja, há muito trabalho pela frente. Podemos ter certeza, contudo, de que todos esses esforços serão fascinantes.

Compartilhar