A evolução do Homo sapiens e o desenvolvimento da fala

Diógenes Henrique

O Pomo-de-adão ou maçã-de-adão tem suas primeiras referências na Bíblia. Dizia-se, é o que faz do homem um humano, mas sua origem tem explicação epistemológica e científica. A linguagem é uma ciência e é estudada pela Ciência Linguística, seu braço é a Semiótica: o estudo de sinais e símbolos. O conceito de significante e significado, onde o primeiro por exemplo a letra “A” é o símbolo e o seu som é o sinal, o segundo é o seu significado da letra A. A comunicação falada é fruto de uma super evolução cada vez mais sofisticada. Seu equivalente no estudo da evolução das línguas é destinado à antropologia linguística, que estuda a evolução da comunicação e suas relações com as mudanças morfológicas.

Tempos aqueles no século XlX, quando Wallace e Darwin discutiam sobre a natureza da seleção natural e o seu papel na origem dos seres humanos, época em que não tinham tanto conhecimento anatômico e nem os mecanismos fisiológicos do ato de falar. Hoje compreendemos que essa qualidade humana está baseada na posição baixa da nossa laringe, devido a uma modificação do modelo das vias respiratórias superiores. Deste modo, a anatomia do nosso aparato fonador pôde ser conhecida, e também o rastro da historia evolutiva de nossa espécie.

Darwin pode descansar tranquilo ao lado de Newton já que tinha razão.

Articular palavras não seria possível sem algumas mudanças bem específicas na estrutura anatômica da boca e da garganta. A laringe encontra-se numa posição muito mais baixa nos humanos que nos demais primatas, o que determina a nossa capacidade para produzir sons não nasais muito mais claros. A distância maior entre a laringe e as fossas nasais nos permite emitir certos sons com força e claridade, sobre tudo, nas vogais “i” e “u”.

Ao longo da evolução humana ocorreram tantas mudanças que às vezes elas nos surpreendem. No livro “A espécie elegida”, o professor Juan Luis Arsuaga nos conta como nossos antepassados hominídeos, assim como o resto dos mamíferos, podiam respirar enquanto bebiam e nunca se engasgavam. A razão desta vantagem se encontra no fato de a laringe, que precede as vias respiratórias, estava mais elevada e conectada com as fossas nasais, de maneira que podiam tragar e respirar ao mesmo tempo.

Ao nascerem, os bebês têm a laringe localizada numa posição muito alta, assim, podem mamar e respirar ao mesmo tempo. Aos 18 meses a laringe do neném descende e lhe permite realizar sons de linguagem, mas o maior perigo é de asfixia.

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Diferença da região occipital entre adulto e bebê. Em bebês, se evidencia uma região occipital da base do crânio mais elevada.

Esta capacidade dos nossos parentes longínquos segue sendo possível nos nossos lactantes que podem mamar e respirar sem quase nenhum problema. Mas esse inconveniente que aparece em nossa espécie adulta (engasgar, não poder beber e respirar ao mesmo tempo), nos proporcionou uma riqueza fonética maior. A mudança de local da laringe (o aparecimento do pomo-de-adão), ocasionou um aumento do espaço entre a laringe e a faringe, enriquecendo as variedades de sons, e isso fez possível o desenvolvimento da linguagem.

Desde meados da década de 70, o linguístico Phillip Licberman e o anatomista Jeffrey Laitman começaram uma série de investigações destinadas a reconstruir a morfologia das vias respiratórias superiores nos fósseis de hominídeos. Como resultado de seus estudos, concluíram que alguns indícios da base do crânio poderiam ser usados para averiguar a posição da laringe no pescoço e assim estabelecer quais eram as habilidades fonéticas dos fósseis de hominídeos. Entre estas características, a de maior crédito na comunidade científica foi o grau de flexão (curvatura do ângulo) e descenso da base do crânio.

O osso Hioideo é a base da inserção das quatro cartilagens, e todos juntos compõem a laringe (cartilagem Aritenoide, Cricoide, Epiglote e Tireóide), o que denominamos usualmente a região do pomo-de-Adão ou maçã-de-Adão. A posição da Laringe é determinada pela tensão entre os músculos que se insertam na região superior-anterior, superior-posterior e inferior do osso Hióide.

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Região da laringe na espécie humana

músculo estilo-hioideo, direito e esquerdo, tem origem no processo estiloide do osso temporal da base do crânio e se inserta posteriormente no corpo do osso hioide.

A musculatura supra-hioidea constitui o assoalho da boca: sustenta o hioide, fornecendo uma base para a língua, e tem relação com a deglutição e produção do som. O músculo digástrico, direito e esquerdo, tem sua porção posterior conectada no osso hióide por um tendão e segue ascendendo em direção do processo para-occipital, enquanto que sua porção anterior insere na cara ventral da mandíbula, permitindo o movimento de elevação anterior-superior, e posterior-superior e de descendenso do pomo-de-adão na deglutição e nas articulações das palavras. A flexão e descenso da base do crânio (onde estes músculos se insertam) descendeu a laringe e alongou a região entre a faringe e a laringe.

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O osso occipital apresenta uma marcada flexão situada entre o forame magno e a parte posterior do paladar, região próxima aonde se insertam os músculos estiloide e digástrico.

visão da base do crânio, se visualiza o Forame Magno.
Visão da base do crânio, se visualiza o Forame Magno.

Os recém-nascidos humanos e os antropomórficos compartilham uma base do crânio pouco flexionada e ascendente, junto com uma posição elevada da laringe, devido a que nos humanos o processo de descenso da laringe é acompanhado pelo incremento da flexão base-cranial, assim, existe uma clara relação entre a posição da laringe e o grau de flexão da base.

Com este argumento, Laitman e seus colaboradores realizaram diversos estudos em diferentes fósseis de hominídeos, chegando a uma serie de conclusões sobre seus aparatos fonadores. Laitman propôs que os Neandertais vieram reduzindo suas capacidades fonéticas como consequência de uma adaptação mais importante para sua sobrevivência: a adequação de suas vias aéreas superiores à necessidade de aquecer e humedecer o ar frio e seco das épocas glaciais; respirar é mais importante que falar.

Por outra parte, Cristopher Stringer y Clive Gamble, em seu livro “Em busca dos Neandertais” diz que os antepassados dos Neandertais (Steinheim e Petralona) careciam de uma linguagem falada como a nossa, apesar de ter as bases anatômicas para produzir, mas sim devido às limitações psíquicas derivadas de seus cérebros relativamente pequenos.

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(a) O crânio Petralona da Grécia. (b) O crânio Steinheim da Alemanha.

Nos anos oitenta, o paleo-antropólogo Jean-Louis Heim anunciou que o crânio do exemplar Neandertal conhecido como “O Velho da Chapelle-aux-Saints”, estava mal reconstruído pelos primeiros investigadores. David Frayer, antropólogo e companheiro de pesquisa de Laitman, mediu a flexão da nova reconstrução do exemplar da Chapelle-aux-Saints e encontrou que era similar às de uma serie de crânios com base não descendida e flexionada, confirmando a tese de Laitman, e seus resultados foram somados ao seus estudos.

Os Neandertais podiam articular sons, porem mais limitados que os nossos. Chegaram a conclusão de que seu aparato fonador só permitia articular um limitado repertorio de vogais ( das quais não estão as: [a], [i] nem [u]), e sua forma de falar seria rudimentar e lenta.

Região occipital maiselevada
Comparativo do tamanho aparente do crânio de Homo sapiens e Neandertal.

Os Neandertais aproximam-se de nós e atuam de forma parecida, ao articular palavras implica também numa complexidade do cérebro, bastante próximo ao nosso, mas os registros fósseis nos indicam que tinham uma gama mais limitada de sons.

Muitos mamíferos podem emitir diferentes sons, como os Chlorocebus sabaeus (macacos verdes) que emitem três sons diferentes para avisar ao resto do grupo a presença de um determinado depredador, um para cobras, outro para aves e outro para animais terrestres, e o resto do grupo, ao escutar um determinado som, se comporta de maneira específica para se protegerem do perigo.

A evolução da base do crânio foi essencial para a articulação, deixando a etapa do “balbuciar” linguístico para trás, mas cada vez mais estudos como este são usados e complementados pelos registros antropológicos. Pois, articular é unir, juntar, proferir, pronunciar com distinção e clareza, e é algo que nós Homo sapiens sabemos fazer muito bem.

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