Toda primavera, enquanto a neve está derretendo e os dias no hemisfério norte se alongam, vários animais, desde esquilos a ursos, começam a despertar da hibernação. Esse processo é complexo e curioso para os cientistas; além disso, descobertas sobre a hibernação dos ursos podem ajudar a melhorar a saúde humana.
Isso porque, esse processo tem muito a dizer sobre a biologia dos mamíferos, inclusive da nossa própria espécie.
Diversos animais conseguem hibernar, como diferentes tipos de roedores, alguns anfíbios e até certos primatas, como os lêmures. Contudo, os ursos são os vencedores nesse quesito. Ursos pardos ou negros adultos pesam tanto quanto jogadores de futebol americano, e são muito curiosos, mas conseguem ficar imóveis durante meses.
O processo que inclui o “desligamento” de uma criatura tão grande torna difícil encontrar uma explicação fácil, de acordo com Elena Gracheva, neurofisiologista da Universidade de Yale, EUA.
“A hibernação é tão complexa que requer adaptações em múltiplos níveis”, diz ela. A hibernação dos ursos oferece ainda reflexões importantes nos processos que ocorrem em mamíferos grandes, especialmente nós mesmos, explica Gracheva.
A cientista foi coautora de uma publicação sobre a fisiologia da hibernação na Annual Review of Cell and Development Biology de 2020.
Um entendimento melhor desse processo poderia nos fazer mudar a nossa abordagem ao lidar com diversas condições humanas, inclusive AVC, a osteoporose, Azheimer e a doença de Parkinson.
A hibernação dos ursos
A hibernação dos ursos se destaca por ser diferente das de outros animais. Esquilos árticos, por exemplo, podem reduzir sua temperatura corporal a -3°C sem consequências negativas. Ursos, em contraste, mal perdem calor corporal em suas tocas invernais; ainda assim, qualificam-se como criaturas que hibernam, pois seu metabolismo diminui bastante.
Brian Barnes, zoologista na University of Alaska Fairbanks, estudou isso junto a colegas por mais de uma década, analisando ursos negros hibernando em tocas artificiais. O estudo foi o primeiro a mostrar de maneira definitiva que animais conseguem hibernar sem reduzir a temperatura.
Mas a hibernação dos ursos não é apenas um descanso durante o período de inverno, disse Barnes. Os animais realmente “desligam”, alterando completamente os parâmetros das suas vidas diárias. “Eles entram, viram-se duas ou três vezes, deitam-se e então ficam daquele jeito por seis meses”, explicou ele.
O cientista ainda observa que algumas ursas frequentemente amamentam gêmeos ou trigêmeos durante a hibernação mesmo sem comer ou beber, usando apenas suas reservas de água e gordura.
Replicando os efeitos da hibernação em humanos
Outro estudo de Barnes e seus colegas publicado em 2021 mostra que ursos em hibernação conseguem desativar os genes envolvidos na quebra dos ossos durante esse processo.
Os pesquisadores sugerem que um dia pode haver a possibilidade de manipular o mesmo processo em pessoas, para prevenir a osteoporose. Esse processo, acrescenta Barnes, poderia ser útil para pessoas em repouso prolongado, que é o mais próximo que os humanos podem chegar à hibernação.
Outro fator interessante nisso é que os ursos conseguem reduzir sua respiração e os batimentos cardíacos em cerca de 75%, por meses e de uma vez só, enquanto mantêm, comparativamente, uma temperatura corporal alta.
Esse processo poderia ajudar a proteger pessoas em tratamento intensivo. Como Barnes explica, ataques cardíacos e AVCs reduzem o fornecimento de oxigênio e nutrientes ao cérebro. A falta de fornecimento seria bem menos danosa se os médicos conseguissem, de maneira rápida, reduzir a demanda ao colocar o paciente num estado de hibernação, ou algo parecido.
Barnes observa que vítimas de AVC tem uma probabilidade maior de se beneficiar de um tratamento na primeira hora após o ataque.
Os médicos chamam essa janela de oportunidade de restaurar o fluxo de sangue de “hora de ouro”. Se os médicos pudessem replicar a hibernação ao ponto onde a necessidade do cérebro não é maior que a oferta, “essa hora de ouro poderia se tornar uma semana de ouro, ou três semanas”, diz ele.
Em março de 2021, pesquisadores nos Estados Unidos e China, inspirados pelas hibernações do mundo animal, propuseram um estudo que usaria a combinação da droga sedativa prometazina e a droga antipsicótica clorpromazina para criar um “estado de hibernação” temporário em vítimas de AVC, com o objetivo de preservar a função cerebral.
Gracheva, que passou grande parte da sua carreira trabalhando com esquilos terrestres em hibernação, agora faz parte de uma equipe de pesquisadores estudando as mudanças cerebrais que causam um comprometimento cognitivo em pessoas com a doença de Parkinson.
Mais especificamente, ela vai trabalhar no sequenciamento de genes para ajudar a entender a diferença genética entre as células cerebrais que são vulneráveis à doença de Parkinson e as que se mantêm não afetadas.
Para isso, ela usará algumas das mesmas abordagens que tem usado em seus estudos de hibernação.
“Estudar ursos e mamíferos”, ela disse, “pode nos contar algo bem fundamental sobre como os sistemas nervosos humanos funcionam”.