A Inquisição, em seu sentido mais amplo, refere-se ao julgamento de heresia pela Igreja Católica Romana em colaboração com autoridades seculares. Esse termo abrange vários aspectos, inclusive tribunais eclesiásticos ou instituições estabelecidas pela Igreja para suprimir a heresia, movimentos históricos de expurgo ou o julgamento de indivíduos acusados de heresia. Exemplos famosos da Inquisição incluem os julgamentos de Joana D’Arc, a supressão dos Cavaleiros Templários e o silenciamento e a prisão de Galileu Galilei.
Embora o conceito da Inquisição possa parecer estranho e extremo para as sensibilidades modernas, é fundamental entender o contexto histórico que envolve sua existência. Naquela época, tanto a Igreja quanto os governantes seculares acreditavam que a sociedade não poderia funcionar de forma eficaz se incluísse indivíduos que se opusessem aos ensinamentos ou práticas oficiais do cristianismo ou que participassem de atos não cristãos. Esses comportamentos eram considerados ameaças à ordem pública e ao bem-estar da sociedade. Essa perspectiva levou à perseguição daqueles considerados hereges, que muitas vezes questionavam a autoridade da igreja e a necessidade dos sacerdotes como mediadores entre eles e Deus – um ato visto como um ataque aos fundamentos da sociedade.
Raízes antigas
O conceito de investigar e processar crimes capitais remonta ao Reino Romano, onde dois quaestores paricidii eram responsáveis por lidar com casos envolvendo crimes como incêndio criminoso, assassinato, bruxaria e destruição de plantações. Esses inquisidores foram mencionados nas Doze Tábuas, um conjunto de leis romanas reveladas em 449 AEC. Essas leis foram introduzidas durante uma grave crise de fome e até especificavam que os envolvidos em sabotagem ou roubo de colheitas deveriam ser oferecidos como sacrifícios humanos a Ceres, a deusa da agricultura. É interessante notar que as raposas que roubavam galinhas enfrentavam uma punição única, que consistia em serem soltas com tochas amarradas em suas caudas no Circus Maximus.
Com a expansão do Império Romano, o número de inquisidores aumentou, o que acabou levando a uma posição mais proeminente conhecida como quaestor sacri palatii. Esses funcionários desempenharam um papel essencial sob o comando dos imperadores Constantino I, Teodósio I e outros, compondo editais, inclusive os relacionados à perseguição religiosa. O Império Romano não era conhecido por manter a liberdade religiosa, inicialmente perseguindo os cristãos e, mais tarde, seus cismáticos e oponentes.
Desde os primórdios do cristianismo, os membros da fé debatiam questões teológicas entre si, como visto no Concílio de Jerusalém em Atos dos Apóstolos e nos escritos dos Apóstolos Paulo, João e Judas. Entretanto, a execução não era usada como forma de punição naquela época.
No segundo século, as autoridades da Igreja começaram a condenar alguns teólogos como hereges e a definir a doutrina de forma mais específica para lidar com os erros percebidos. As principais heresias incluíam o gnosticismo, o marcionismo, o montanismo e várias formas de monarquianismo. As consequências para a heresia na época incluíam excomunhão, readmissão somente após a retratação de opiniões controversas ou, no caso dos líderes da igreja, a perda do cargo e dos bens.
A adoção do cristianismo pelo imperador romano Constantino I em 313 trouxe esperanças de que a religião poderia ajudar a consolidar o Império. Entretanto, divergências internas e heresias desafiaram essa noção, levando Constantino a intervir em questões de doutrina e disciplina. Ele trabalhou para fazer valer as decisões tomadas pela Igreja, banindo oponentes resistentes e defendendo uma única igreja unificada com um conjunto coerente de dogmas. Os imperadores subsequentes continuaram a se envolver em questões da Igreja, muitas vezes usando a força e banindo bispos.
A primeira execução registrada de um “herege” foi a de Prisciliano de Ávila, que foi decapitado em 385 junto com seis seguidores após ser condenado por heresia. Embora alguns bispos importantes tenham se oposto à execução, ela acabou sendo validada por um sínodo em Treves no mesmo ano. Com o passar do tempo, os imperadores cristãos estabeleceram mais repercussões legais para os hereges, ocasionalmente endossando a pena de morte para casos graves. Mais tarde, essas leis formaram a base para a acusação de hereges, inclusive com o reforço do imperador Frederico II.
Tribunais e instituições da Inquisição
Antes do século XII, a heresia era reprimida pela Igreja Católica por meio de um sistema de tribunais eclesiásticos. Inicialmente, as autoridades estaduais lideravam a perseguição, mas com a expansão da jurisdição episcopal, a Igreja passou a se envolver cada vez mais. As punições impostas pela Igreja incluíam excomunhão, proscrição e prisão. Embora a pena de morte fosse permitida em muitos estados, seu uso era pouco frequente devido à oposição da Igreja.
Com a disseminação do catarismo no século XII, os processos contra heresia se tornaram mais comuns. Os Conselhos da Igreja, formados por bispos e arcebispos, eram responsáveis pelo estabelecimento de inquisições. No século XIII, a responsabilidade de conduzir as inquisições foi dada à Ordem Dominicana pelo papa. Os inquisidores operavam com a autoridade total do papa e utilizavam procedimentos inquisitoriais, que eram práticas de direito comum na época. Eles se concentravam exclusivamente na heresia, contando com as autoridades locais para estabelecer tribunais e processar os hereges. No final do século XV, as inquisições eram supervisionadas por um Grande Inquisidor e continuaram dessa forma até o século XIX.
Durante o século XVI, o Papa Paulo III instituiu a Inquisição Romana, um sistema de tribunais governados pela “Suprema Congregação Sagrada da Inquisição Universal”. Esse órgão era composto por cardeais e outras autoridades da Igreja. Em 1908, o nome foi alterado para “Suprema Sagrada Congregação do Santo Ofício” pelo Papa Pio X. Em 1965, a instituição foi renomeada novamente para Congregação para a Doutrina da Fé, que continua sendo seu título moderno.
Movimentos históricos da Inquisição
Inquisição na Idade Média
Durante a Idade Média, várias inquisições surgiram por volta de 1184. Os historiadores geralmente as classificam em Inquisição Episcopal (1184-1230) e Inquisição Papal (1230). Esses movimentos se desenvolveram em resposta a movimentos generalizados considerados contrários ao cristianismo, especialmente os cátaros e os valdenses no sul da França e no norte da Itália.
A motivação por trás dessas inquisições era manter a ordem social e consolidar a autoridade religiosa dentro do império. Os líderes da igreja, os nobres e os monarcas acreditavam que as crenças religiosas divergentes ameaçavam a estabilidade da sociedade e minavam sua própria autoridade.
Inquisição na Espanha
Em 1478, com a aprovação do Papa Sisto IV, o rei Fernando de Aragão e a rainha Isabel de Castela estabeleceram a Inquisição Espanhola. Diferentemente das inquisições anteriores, ela operava independentemente da Santa Sé e era composta por clérigos e ordens seculares. Essa Inquisição visava principalmente os convertidos do judaísmo e do islamismo que residiam na Espanha após o domínio mouro e, mais tarde, os protestantes.
Posteriormente, a Inquisição Espanhola expandiu-se para algumas colônias espanholas, como o Peru e o México. Ela continuou até a independência mexicana e não foi abolida na Europa até 1834.
Inquisição em Portugal
A Inquisição portuguesa teve início em 1536, sob o comando do rei João III de Portugal, servindo como contraparte da Inquisição espanhola. A Inquisição de Goa foi uma extensão da Inquisição Portuguesa, operando na cidade indiana de Goa e em outras partes do império português na Ásia. Estabelecida em 1560, a Inquisição de Goa concentrou-se principalmente nos novos convertidos do hinduísmo.
Inquisição em Roma
O Papa Paulo III estabeleceu a Inquisição Romana em 1542, criando uma congregação permanente de cardeais e outras autoridades dedicadas a manter e defender a fé, examinando e proscrevendo erros e falsas doutrinas. Essa organização, agora chamada de Congregação para a Doutrina da Fé, faz parte da Cúria Romana e supervisiona todas as inquisições.
O julgamento mais notável da Inquisição Romana envolveu Galileu Galilei em 1633, que enfrentou o silenciamento e a prisão. Devido à influência da Inquisição Romana sobre os Estados Papais, suas atividades continuaram até meados do século XIX.
Contemporaneidade
Na virada do século XXI, o Papa João Paulo II iniciou um “Simpósio da Inquisição”, permitindo que historiadores externos examinassem os registros do Vaticano. Suas descobertas desmascararam equívocos e exageros anteriores em relação às inquisições. Por exemplo, um número maior de mulheres acusadas de bruxaria morreu em países protestantes do que durante as inquisições. Em toda a Europa, os sistemas de justiça civil julgaram cerca de 100.000 mulheres, queimando 50.000 delas, em comparação com números significativamente menores na Espanha, Itália e Portugal.