A ave mais pesada do mundo pode estar se automedicando com plantas

Dominic Albuquerque
Abetarda-comum, a ave voadora mais pesada do mundo. Imagem: Wikimedia Commons

O abetarda-comum é uma enorme ave, impossível de ser confundida. Ela é a ave mais pesada hoje dentre as que são capazes de voar, com a maior diferença entre os sexos na espécie.

Um novo estudo publicado na Frontiers in Ecology and Evolution sugere que, além da aparência impressionante, essas aves ativamente buscam por duas plantas com compostos que podem matar patógenos. Isso pode ser um exemplo raro de uma ave que usa plantas contra doenças, como se estivesse se automedicando.

Os pesquisadores apontam que o abetarda-comum prefere comer plantas com compostos químicos com efeitos antiparasitários in vitro. Eles buscam duas espécies de ervas daninhas que também são usadas por humanos na medicina tradicional.

Ambas contêm compostos antiprotozoário e nematicida (ou seja, matam vermes), e a segunda também contém agentes antifúngicos.

Animais também se automedicam

A automedicação não é exclusividade humana, podendo ocorrer com animais em diferentes níveis, estando presente numa variedade que inclui primatas, ursos, cervos, alces, abelhas e moscas da fruta.

Certo que há algumas dificuldades no estudo, uma vez que não há como comparar entre grupos de controle e grupos experimentais. Além disso, certas etapas da medicina humana ou veterinária são impossíveis com animais em vida selvagem.

A abetarda-comum, classificado como vulnerável, se reproduz nas pastagens da Europa ocidental e do noroeste da África até o centro e leste da Ásia. Cerca de 79% da população global vive na península ibérica.

As fêmeas geralmente permanecem fiéis à área de vida onde eclodiram por toda a vida – 10 a 15 anos – enquanto, após a dispersão, os machos revisitam o mesmo local ano após ano.

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Imagem: Wikimedia

Ao permanecerem (e defecarem) na mesma área por um tempo prolongado, elas arriscam-se a se infectarem mais de uma vez. E os machos precisam de estamina durante o período reprodutivo, o que causa uma drástica redução do seu sistema imunitário.

Ambos os sexos, então, se beneficiariam da busca de plantas com propriedades médicas no período reprodutivo, onde doenças sexualmente transmissíveis são comuns. Além disso, os machos que se automedicarem com essas plantas terão uma aparência mais saudável e vigorosa, sendo mais atraentes às fêmeas, de acordo com os pesquisadores.

Os cientistas coletaram um total de 623 excrementos dos machos e fêmeas da espécie, inclusive 178 durante o período reprodutivo. Sob o microscópio, eles contaram a abundância de restos reconhecíveis (tecidos de caules, folhas e flores) de 90 espécies de plantas que crescem localmente e que fazem parte da dieta da abetarda-comum.

As plantas contêm compostos que matam parasitas

Os resultados mostram que duas espécies de plantas são consumidas com maior frequência do que o esperado: Papaver rhoeas e Echium plantagineum.

O consumo é maior durante o período reprodutivo. Das daus espécies, a primeira é evitada por gado, mas usada na medicina tradicional como um aliviante de dor, sedativo e reforço imunológico. A segunda é tóxica a humanos e gado se consumida em grande quantidade.

Ambas têm valor nutricional: os ácidos graxos são abundantes nas sementes de papoula do milho, enquanto as sementes da víbora roxa são ricas em óleos comestíveis.

Os autores isolaram compostos solúveis em água e gordura de ambas as espécies e determinaram sua identidade química com espectrometria de massa por cromatografia gasosa (GC-MS) e espectrometria de massa por cromatografia líquida (HPLC-MS). Eles se concentraram em lipídios, óleos essenciais voláteis e alcalóides, produzidos por muitas plantas como defesa contra herbívoros.

Com isso, descobriram que as papoulas de milho são ricas em alcaloides bioativos como roeadina, roaegenina, epiberberina e canadina.

Os autores então testaram a atividade das frações moleculares isoladas contra três parasitas comuns de aves: o protozoário Trichomonas gallinae, o nematóide (verme parasita) Meloidogyne javanica e o fungo Aspergillus niger.

Os resultados mostram que os extratos de ambas as plantas são altamente eficazes em inibir ou matar protozoários e nematoides in vitro, enquanto a semente da víbora roxa também é moderadamente ativa contra fungos.

Ainda assim, os pesquisadores afirmam que mais pesquisas são necessárias para quantificar melhor os fatores e de fato entender se o que ocorre é uma automedicação.

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