O condicionamento aversivo poderia salvar animais selvagens

Felipe Miranda
Imagem: Pixabay.

Salvar animais selvagens é uma tarefa importantíssima para a manutenção dos ecossistemas por todo o mundo, e diversos projetos visam ampliar a atuação dos métodos de conservação, além de desenvolver novos métodos.

Um ponto que a maior parte dos projetos de conservação da vida selvagem tem em comum é o da mínima interferência possível nos animais, ou seja, deixá-los viver da forma mais natural possível, muitas vezes em algum ambiente assistido ou protegido de alguma maneira, mas o mais indireto possível.

Salvar animais selvagens significa deixá-los viver da maneira que são: selvagens.

Entretanto, um método bastante controverso visa ajudar nessa tarefa. Cientistas do comportamento estão tentando criar um manejo baseado no comportamento. A ideia é encorajar, modificar ou manipular de alguma maneira desejada o comportamento dos animais, mas com o intuito de atingir determinados resultados no âmbito da conservação dos animais.

O sapo cururu e a Austrália

Há mais de um século, sapos-cururus (Rhinella marina) foram introduzidos na Austrália como controle de pragas em canaviais. Entretanto, eles mesmo se tornaram uma praga. O sapo se espalhou por boa parte da Austrália, e isso é um grande problema, pois o sapo cururu é venenoso. Ele possui glândulas de veneno com tamanhos consideráveis, e matam facilmente um predador que os consuma. Assim, muitos animais nativos da Austrália estão morrendo envenenados ao consumir o estanho invasor.

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Dasyurus hallucatus, uma das espécies australianas ameaçadas por sapos venenosos intrusos. (Imagem: Brad Leue photography / The Cane Toad Coalition).

O sapo-cururu e nativo das Américas Central e do Sul. Há diversas espécies de sapos-cururu, especialmente no Brasil. O sapo é bastante comum no Brasil, e faz até mesmo parte de canções populares do país. Mas na Austrália é um completo invasor.

O caso serve de exemplo para um meio bastante polêmico que alguns cientistas pretendem usar para auxiliar na conservação da vida selvagem.

Um projeto chamado “The Cane Toad Coalition“, formado por diversos grupos de pesquisa, deseja ensinar aos predadores nativos da Austrália a não comer o sapo cururu. Cane Toad é o nome do sapo em inglês.

“Os sapos-cururu invasores estão impactando fortemente os ecossistemas australianos, envenenando fatalmente milhares de predadores de primeira ordem, como quolls, goannas, cobras e crocodilos”, diz a página inicial do projeto.

“Pesquisadores da Universidade Macquarie (anteriormente na Universidade de Sydney) descobriram uma maneira de reduzir esse impacto treinando predadores antes que a principal frente de invasão de sapos chegue”, diz.

“Se um predador comer uma pequena refeição contendo toxina de sapo que o deixa doente, mas não o mata, ele pode se lembrar dessa experiência negativa e não comer mais sapos”, explica a descrição do The Cane Toad Coalition.

Condicionando animais selvagens

Há outros exemplos de projetos e cientistas que conseguem, de alguma forma, mudar o comportamento de animais selvagens para ajudar na conservação de espécies ameaçadas.

Por exemplo, na Nova Zelândia, Catherine Price, pesquisadora de pós-doutorado em biologia da conservação na Universidade de Sydney, tem usado cheiros falsos para evitar que predadores comam ovos de aves ameaçadas de extinção, expulsando esses predadores (como furões e ouriços) com os aromas.

Um estudo publicado em dezembro de 2019 no periódico Ecosphere apresenta o condicionamento aversivo (estímulos negativos) como uma maneira de evitar a entrada de leões em zonas perigosas, onde poderiam ser mortos ou capturados por humanos. Isso foi feito através da criação de zonas de exclusão com os estímulos negativos às áreas que deveriam ser evitadas pelos animais.

Pode salvar animais selvagens, mas isso é ético?

Há, obviamente, a discussão ética em relação à eticidade da abordagem intervencionista. Estudos e exemplos já demonstraram o funcionamento e a eficiência das técnicas, mas até que ponto elas devem ser aplicadas?

Por um lado, elas tentam salvar animais selvagens, que muitas vezes correm riscos por causa justamente dos humanos, e se não intervimos, eles podem ser extintos. Mas é ético mudar o comportamento de animais selvagens?

“Argumentamos que, para tomar decisões sábias, os gestores da vida selvagem precisam identificar os diversos valores em jogo em uma determinada situação. Isso pode envolver valores culturais e patrimoniais – como a importância da caça em uma cultura indígena – bem como valores econômicos e estéticos. Também provavelmente incluirá o bem-estar de animais individuais, a saúde dos ecossistemas e, talvez, a capacidade dos animais de viver com o mínimo de interferência”, discorrem os cientistas Daniel T. Blumstein, Catherine Price e Thom van Dooren em um artigo conjunto publicado no The Conversation.

Portanto, deve-se levar em conta diversos fatores antes de qualquer decisão de interferência, pesando o que será pior: a intervenção ou a omissão.

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