O cachorro pode latir para dar um aviso ao sentir um estranho se aproximando. O gato se retira com desdém, ignorando tudo e todos. A vaca muge quando contente, ruminando seu alimento. Pelo menos é isso o que nós imaginamos que eles estão fazendo quando agem dessa maneira, certo?
Nós projetamos nossas próprias experiências de maneira imaginativa, numa tentativa de compreender e nos relacionar com os animais que encontramos.
Mas muitas vezes essas suposições são errôneas. Quando vemos cavalos brincando, por exemplo, imaginamos que o fazem apenas pela diversão. Contudo, no mundo natural, cavalos adultos dificilmente brincam.
Se os vemos fazendo isso quando cativos, não é, necessariamente, um bom sinal, segundo Martine Hausberger, uma cientista animal da Universidade de Rennes, na França.
A cientista diz que cavalos adultos que brincam normalmente são os que foram restringidos de alguma forma: eles brincam para aliviar o estresse. “Quando têm a oportunidade, eles podem brincar, e nesse momento preciso podem se sentir felizes”, ela diz. Mas “animais que se sentem bem o tempo inteiro não precisam disso para se livrar do estresse”.
Os estudos sobre comportamento animal e suas possíveis emoções
Estudos recentes apontam que pegar um rato pela cauda pode acabar com o dia do animal, e que um regalo de açúcar inesperado pode melhorar o humor de uma abelha. Lagostins podem sentir ansiedade, furões podem se entediar e polvos, talvez até mesmo peixes, podem sentir dor.
Essas descobertas podem trazer mudanças na forma como lidamos com animais em nosso cuidado.
Por exemplo, uma ampla revisão científica publicada em 2021 pela London School of Economics and Political Science concluiu que alguns invertebrados como caranguejos, lagostas e polvos devem ser considerados sencientes – ou seja, eles podem viver experiências subjetivas, como sofrimento e dor.
Mas estudar experiências animais subjetivas é um desafio, segundo Charlotte Burn, uma cientista de bem-estar animal na Royal Veterinary College, na Inglaterra, autora da publicação.
Pesquisadores podem fazer inferências científicas sobre como um animal se sente, baseando-se em pistas observáveis de comportamento e fisiologia, ela diz, mas sentimentos são algo subjetivo. “Então fazer ciência sobre isso é um pouco estranho, porque você tem que ficar confortável com o fato de que o fator chave da coisa é desconhecido”.
História evolucionária compartilhada
Pela maior parte dos últimos dois milênios, o pensamento ocidental tem rejeitado a noção de que os animais são capazes de sentirem. Contudo, nas últimas décadas, a perspectiva tem mudado.
Uma das abordagens envolve a investigação das emoções animais através da lente psicológica humana.
Buscar paralelos em como humanos e outros animais processam experiências faz sentido porque nossos cérebros e comportamentos refletem uma história evolucionária compartilhada, diz Michael Mendl, um pesquisador de bem-estar animal na Universidade de Bristol, Inglaterra.
Pesquisadores frequentemente sondam as mentes e cérebros de roedores e outros animais, como moscas, primatas e peixes, para estudar e desenvolver drogas voltadas para desordens psíquicas humanas, como depressão e ansiedade. Então, diz Mendl, deveríamos poder seguir o processo inverso, usando humanos como base para estudar as emoções em outros animais.
O humor importa?
Mendl e a psicóloga Elizabeth Paul, da Universidade Bristol, estreitaram a análise num fator específico: os estados emocionais das pessoas, sejam eles negativos ou positivos, influenciam seus pensamentos e decisões. O termo usado por psicólogos para esses estados mentais amplos é “afeto”.
O afeto age como um filtro para a forma como vemos o mundo, e é frequentemente moldado pelas experiências, positivas e negativas. Mendl, Paul e uma graduanda chamada Emma Harding fizeram um experimento no início dos anos 2000 envolto nesse tema.
Eles ensinaram ratos a associarem um tom com um estímulo positivo (uma regalia saborosa) e outro tom com um estímulo negativo (um som desagradável). Os ratos aprenderam a apertar a barra quando ouviam o som positivo, e a não apertarem quando ouviam o som negativo.
Então, os pesquisadores dividiram os ratos em dois ambientes, um agradável e previsível, e outro cheio de variações nos tons.
Dias depois, os pesquisadores soltaram um som com um comprimento de onda bem no meio dos tons negativo e positivo. Os animais que tinham ficado na caixa agradável apertaram a barra, sinal de que estavam otimistas que obteriam uma regalia ao fazê-lo. Os que tinham ficado na caixa imprevisível não mexeram na barra, ou foram mais lentos para apertá-la, o que sugere que estavam pessimistas.
“O que pensamos que nossos testes demonstram é que o animal fica num estado afetivo positivo ou negativo”, Mendl explica. De maneira mais coloquial: o comportamento dos ratos poderia significar que eles julgaram o tom de acordo com o que sentiam sobre o mundo ao redor.
A questão ética e humana
Georgia Mason, bióloga comportamental e cientista de bem-estar animal na Universidade de Guelph, Canadá, afirma que tratar a questão de um ponto de vista ético e prático seria algo “sábio e humano”, como tomando cuidado ao lidar com polvos, tratando-os como se eles de fato sentissem dor.
Burn, por fim, acredita em sua aposta, não porque têm certeza, mas porque “o corpo de evidências está começando a nos fazer pensar que [os animais] merecem o benefício da dúvida”.
A medida que os pesquisadores descobrem novas maneiras de mensurar estados emocionais diversos, talvez possamos encontrar uma base mais ampla de experiências compartilhadas dentro do reino animal.