Os piores incêndios na Amazônia ainda estão por vir, e serão incontroláveis

The Conversation
Incêndios na Amazônia, de 15 a 22 de agosto. Imagem: Observatório da Terra da NASA/Joshua Stevens

O número de incêndios este ano na Amazônia é o maior desde 2010, número que atinge mais de 90.000 incidências. Fazendeiros e pecuaristas utilizam rotineiramente os incêndios para desmatar a floresta. Mas o número deste ano reflete um aumento preocupante na taxa de desmatamento, que começou a cair por volta de 2005 antes de se recuperar no início desta década.

Muitas pessoas culpam o governo brasileiro e suas políticas pró-agricultura pela crise atual. Mas, como pesquisador ambiental que trabalhou na Amazônia nos últimos 25 anos, posso dizer que as sementes foram plantadas antes da eleição do presidente Jair Bolsonaro em 2018. E as perspectivas de desaceleração do desmatamento continuam fracas, uma questão que é importante para as pessoas em todo o mundo.

Isso em parte porque o atual governo só agravou a situação com sua agenda anti-ambiental. A menos que o povo brasileiro consiga fazer com que Bolsonaro se afaste de seu objetivo declarado de desenvolver a Amazônia, o desmatamento voltará a aumentar.

Acrescentando combustível ao fogo está o ritmo acelerado da Iniciativa para a Integração da Infraestrutura Regional da América do Sul (IIRSA), um plano multinacional para a construção de estradas, barragens e ferrovias em toda a Amazônia.

Objetivos conflitantes

O Brasil conseguiu reduzir significativamente as taxas de desmatamento na virada do milênio com políticas ambientais eficazes e esforços voluntários do setor privado. O desmatamento, que começou na década de 1970, começou a subir novamente em 2015, devido à turbulência política e a uma recessão econômica que abriu caminho para reversões de políticas.

A taxa de desmatamento na Amazônia caiu de cerca de 17.220 quilômetros quadrados em 2004 para 2.840 quilômetros quadrados em 2012, e permaneceu baixa até seu ressurgimento há alguns anos. Isso se deveu a uma política ambiental eficaz, que no Brasil se baseia principalmente em áreas protegidas, como parques nacionais, e a um código florestal que limita a quantidade de terras que podem ser desmatadas em propriedades individuais.

Ao longo dos anos, o governo brasileiro desenvolveu um sistema de áreas protegidas para proteção ecológica e reservas indígenas. Em 2002, ampliou sua cobertura para cerca de 43% de toda a Amazônia. Também criou áreas protegidas em zonas de conflito fundiário como forma de conter incêndios e desmatamentos.

Além disso, a aplicação do código florestal foi reforçada com o desenvolvimento de um sistema de monitoramento por satélite que permitiu à agência de proteção ambiental do Brasil identificar proprietários de imóveis violadores da lei a partir do espaço.

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Além do governo, o setor privado ajudou a reduzir a taxa de desmatamento. Os agricultores de soja deixaram de plantar novos campos na floresta, e os varejistas exigiram que os produtos que vendiam viessem de terras já desmatadas para que pudessem certificá-los como “verdes”, especialmente carne bovina.

Infelizmente, esses esforços começaram a se desdobrar quase tão logo se mostraram eficazes. A razão de fundo é que muitas pessoas têm visto a Amazônia como uma vasta reserva de recursos valiosos a serem usados para o desenvolvimento econômico de uma região pobre.

A agenda da IIRSA – um extenso projeto de construção de infraestrutura lançado em 2000 para conectar as economias da região e áreas remotas – expressa essa visão, comum a todas as nações que compartilham a Bacia Amazônica. Estas incluem, além do Brasil, Bolívia, Colômbia, Equador, Guiana, Peru, Suriname e Venezuela. Não é de surpreender que suas orientações individuais para a região reflitam uma contradição entre o desenvolvimento econômico, por um lado, e a conservação, por outro.

No Brasil, o governo não só cria áreas protegidas, como as reduz para se preparar para projetos de infraestrutura. A ex-presidente Dilma Rousseff inclusive reduziu o tamanho do Parque Nacional da Amazônia em 2012, o primeiro na Amazônia, para dar lugar ao Complexo Hidrelétrico do Tapajós, um componente chave do plano IIRSA. O governo não age no vácuo, e no Brasil um poderoso bloco congressional, o caucus rural/mineiro conhecido como Ruralistas, trabalha incansavelmente para minar a política ambiental.

Isso levou a revisões no código florestal, em 2012, que favorecem a agricultura, não o meio ambiente, isentando aqueles que desmataram ilegalmente antes de 2008 de ter que reflorestar de acordo com a lei. A continuidade da ação política ruralista facilitou, em 2017, a obtenção do título de propriedade de terras apreendidas ilegalmente pelos grileiros.

O medo de um ponto de inflexão.

O Presidente Bolsonaro herdou um conjunto de políticas ambientais enfraquecidas e tudo indica que continuará a enfraquecê-las. Ao mesmo tempo, cumpriu sua promessa de abrir a Amazônia ao desenvolvimento, anunciando planos para construir uma ponte sobre o rio Amazonas e estender uma estrada pavimentada até a fronteira com o Suriname.

A agenda da IIRSA parece estar se acelerando, e à medida que as pessoas se deslocam para a região para aproveitar os empregos que ela cria, os incêndios só podem piorar.

Desde a abertura da Amazônia ao desenvolvimento na década de 1970, os incêndios têm sido deliberadamente lançados anualmente para dar lugar a campos e pastagens e fertilizar solos. A Amazônia mantém um clima úmido, o que limita sua extensão. Assim, os super incêndios nunca se espalharam por centenas de quilômetros quadrados como acontece com os incêndios nos EUA, mas isso pode mudar devido ao efeito cumulativo do uso repetido do fogo.

Pesquisas mostram que a cada ano, quando a floresta arde, o efeito destrutivo se espalha além das chamas para matar árvores e dessecar a paisagem. Isso pode tornar a floresta ainda mais vulnerável ao fogo através do acúmulo de materiais inflamáveis e da coalescência de ecossistemas marcados pelo fogo em amplas faixas de toda a bacia.

Se o Brasil não se retirar do curso em que se encontra, os cientistas advertem que chegará um momento no futuro próximo em que os incêndios amazônicos queimarão sem controle e empurrarão a floresta para um ponto sem retorno, o que alguns chamam de “ponto de inflexão” que mudará permanentemente o ecossistema subjacente. Sem uma restauração da política ambiental no Brasil, os piores incêndios ainda estão por vir.

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Robert T. Walker é professor de estudos Latino-Americanos e Geografia na Universidade da Flórida.

Este artigo foi traduzido de The Conversation sob uma licença Creative Commons. Leia o artigo original original.

 

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