Dizer que o death metal tem uma reputação medonha é um eufemismo. Sua notoriedade como uma força para o terror e a desordem encontra apoio nas letras das canções, que expõem tortura, estupro, assassinato, necrofilia e contos de violência, sacrifícios humanos e queima de igrejas ritualísticas. (O último, na verdade, sendo mais um tipo de ‘black metal’ norueguês.) Mas, se a ciência estiver certa, estamos enganados sobre esse gênero muito difamado.
As letras de músicas com temas de canibalismo de bandas como Eaten não deixam muito espaço para exercícios de interpretação. Mas nem essas músicas nem as letras horríveis de outras bandas do gênero inspiram violência. Essa é a conclusão de um teste psicológico.
Na verdade, os pesquisadores do Laboratório de música da Universidade Macquarie, em Sydney, Austrália, estiveram envolvidos em uma investigação de décadas sobre os efeitos emocionais da música. Contudo, eles ressaltam que esses efeitos são complexos.
Nesse estudo mais recente, os autores do estudo descobriram que as canções do Eaten podem provocar “sentimentos de alegria e conferem poder” nos fãs.
“Muitas pessoas gostam de música triste, e isso é um pouco paradoxal. Por que quereríamos nos deixar tristes?” disse à BBC News Bill Thompson, professor da Universidade Macquarie e diretor do Laboratório de Música. “O mesmo pode ser dito da música com temas agressivos ou violentos. Para nós, é um paradoxo psicológico, por isso estamos interessados, enquanto cientistas, no tema e, ao mesmo tempo, reconhecemos que a violência na mídia é uma questão socialmente significativa”.
Para esse estudo, publicado recentemente no periódico Open Society, da Royal Society, uma equipe de pesquisadores tentou descobrir como diferentes gêneros musicais afetam o cérebro.
Medindo os efeitos
Para fazer isso, eles monitoraram a atividade cerebral de 80 pessoas (32 fãs de death metal e 48 não fãs do gênero) enquanto ouviam uma das duas músicas: Bloodbath, faixa da banda de Eaten, inspirada no canibalismo (supostamente escrita sobre o canibal alemão Armin Meiwes), ou o sucesso pop Happy, de Pharrell William. Ao mesmo tempo que ouviam uma das duas músicas por fones de ouvido, imagens eram mostradas aos participantes.
Para comparação quão diferentes são as duas músicas usadas no teste, considere as letras:
Eaten / Bloodbath: “Carve me up, slice me apart/Suck my guts, lick my heart”
(Me esculpem, me cortam em pedaços / Chupam minhas entranhas, lambem meu coração)
Pharrell William / Happy: “Because I’m happy / Clap along if you feel like happiness is the truth
(Porque eu sou feliz / Bata palmas se você sentir que a felicidade é a verdade)
O pesquisador Yanan Sun, que liderou o estudo, explicou que o objetivo do experimento foi medir o quanto os cérebros dos participantes notaram as cenas violentas e comparar como a sensibilidade deles foi afetada pela exibição das músicas.
Por isso foi usa a canção de Pharrell William: visando testar o impacto de diferentes tipos de música, os investigadores apresentaram aos voluntários da pesquisa uma faixa que consideraram o oposto da de Eaten. “Usamos ‘Happy’ de Pharrell Williams como comparação”, disse Sun.
Enquanto a música estava sendo tocada, aos participantes do estudo foram mostradas duas imagens simultaneamente, uma violenta (como alguém sendo atacado em uma rua) e outra não violenta, por exemplo, um grupo de pessoas andando. A ideia aqui é baseada em algo chamado de rivalidade binocular, também conhecido como a noção de que quando nos é mostrada uma imagem neutra em um olho e uma imagem violenta no outro, nós nos concentramos mais na imagem violenta, ou seja, na ameaça.
“Se os fãs de música violenta fossem indiferentes à violência, que é o que muitos grupos de pais, grupos religiosos e conselhos de censura estão preocupados, então eles não demonstrariam esse mesmo viés”, explicou Thompson. Mas eles demonstraram. E esse fato é um indício que eles não são mais insensíveis à violência do que os que não são fãs.
“Se os fãs de música violenta dessensibilizavam a violência, que é o que muitos grupos de pais, grupos religiosos e censuras estão preocupados, então os dois grupos não mostrariam o mesmo viés. “Mas os fãs mostraram o mesmo comportamento ao processamento das imagens violentas em relação os que não eram fãs desse tipo de música”.
“Chama-se rivalidade binocular”, explicou Sun. A base deste teste psicológico é quando a maioria das pessoas é apresentada com uma imagem neutra para um olho e uma imagem violenta para o outro — elas veem mais a imagem violenta. De fato, parece que o death metal é uma força de alegria e fortalecimento, mas só se você gosta desse tipo de música.
Esse achado vai ao encontro de um outro estudo, publicado ano passado na Psychology of Popular Media Culture. Nesse estudo anterior, Thompson e sua equipe descobriram que o death metal deixou os não fãs “tensos, com medo e com raiva”. Em contraste, os fãs do gênero foram capazes de aproveitar a música para promover objetivos psicossociais e trabalhar com sentimentos obscuros. Ou, como disse um fã, “tem algo a ver com o grito primitivo em nós, é libertação, aceitação e fortalecimento”.
Opinião do Eaten
A reportagem da BBC News procurou saber qual a opinião dos músicos do Eaten sobre Bloodbath ter sido utilizada em uma pesquisa como essa.
“Nós não temos nenhum problema com isso”, disse o vocalista do Bloodbath, Nick Holmes, à BBC News. “As letras são inofensivas, como o estudo provou”. Ele acrescentou que o conteúdo lírico de Bloodbath era “basicamente uma versão aural de um filme de terror dos anos 80. A maioria dos fãs de death metal são pessoas inteligentes e pensativas que só têm paixão pela música”, disse ele. “É o equivalente a pessoas obcecadas por filmes de terror ou até mesmo por encenações de batalhas.”
A importância desse estudo
Segundo a matéria publicada pelo informativo londrino, o Thompson disse que as descobertas devem ser “tranquilizadoras para os pais ou grupos religiosos” preocupados com uma influência que a música violenta representaria. De um modo mais abrangente, segundo o pesquisador, há também a preocupação de que a violência na mídia leve problemas sociais.
Ao passo que a pesquisas já encontraram evidências de tal “dessensibilização” em pessoas que jogam videogames violentos, com a música, de acordo com as conclusões desse estudo, parece não se dar o mesmo.
“A resposta emocional predominante a esse tipo de música é alegria e poder”, disse o professor Thompson. “E eu acho que ouvir essa música e transformá-la em uma experiência poderosa e bonita é uma coisa incrível”.
Holmes se identificou com isso, dizendo que a maior parte da música que ele gostava era “melancólica, dramática, triste ou agressiva e não muito intermediária. Eu sinto alegria e emancipação, autonomia e afirmação nesses estilos”, disse ele à BBC News.
Sobre o tema das letras de Eaten, Holmes acrescentou: “Eu não a escrevi, mas ficaria francamente surpreso se alguém escutasse essa música e sentisse o desejo de ser comido por um canibal”.
Então da próxima vez que você estiver se sentindo pra baixo, por que não checar os sons catárticos do Cannibal Corpse? Quem sabe, mas pode ser exatamente isso que vai levantar seu ânimo.