Imagine que um ser humano caiu na sopa primordial, há 3,8 bilhões de anos atrás, quando a vida começou. Ele não teria nada para se alimentar. A terra não tinha plantas, nem animais e muito menos oxigênio. Precisaria ter muita sorte para sobreviver com apenas 1600 calorias por dia e beber água da lagoa ou do mar. Então, como obtivemos fontes de energia concentrada (i.e. alimentos) cultivando plantas e explorando florestas? Como vencemos um planeta que pode suportar bilhões de seres humanos com grandes cérebros, de sangue quente e postura ereta?
Em “The Energy Expansions of Evolution,” um novo e extraordinário ensaio publicado na revista Nature Ecology and Evolution, Olivia Judson mostra uma teoria de sucessivas mudanças de energia que pretende explicar como nosso planeta chegou a ter uma diversidade tão grande de ambientes que suporta uma variedade tão rica de vida, indo desde cianobactérias, margaridas até humanos.
Judson divide a história da vida na terra em cinco épocas energéticas, um novo esquema que você não encontrará em livros de geologia ou biologia. Na ordem, as épocas seriam: energia geoquímica, luz solar, oxigênio, carne e fogo. Cada época representa um surgimento de uma nova fonte de energia, coincidindo com novos organismos capazes de explorá-las e de alterar o ambiente a sua volta. As fontes anteriores de energia permaneciam ao redor, então, os ambientes e a vida na terra iam tornando-se cada vez mais diversificados. Judson chama isso de “construção gradual de um sistema de vida em um planeta”.
Na época da energia geoquímica, há 3,7 bilhões de anos atrás, os primeiros organismos vivos alimentavam-se de moléculas como hidrogênio e metano que se formavam a partir da reação entre água e rochas. Eles isolavam a energia de ligações químicas. O que não foi muito eficiente – já que a produtividade da biosfera foi de aproximadamente de mil a um milhão de vezes menor do que é hoje.
A luz solar, claro, estava presente na terra o tempo todo. Quando os micróbios que podem se alimentar da luz solar finalmente evoluíram, a produtividade e a diversidade da biosfera se estabilizaram. Um tipo particular de bactéria, chamada de cianobactérias, encontrou uma forma de transformar a energia solar em oxigênio (O2) como um subproduto, porém, com profundas consequências: o planeta adquiriu uma camada de ozônio (O3) que bloqueia a radiação ultravioleta (UV), surgiram novos minerais oriundos das reações de oxigênio e uma atmosfera repleta de O2 altamente reativo.
Agora vamos à época do oxigênio. Novos organismos evoluíram com enzimas que os tornaram resistentes ao oxigênio. Além disso, eles possuem algumas vantagens: como o oxigênio é muito reativo, isso torna o metabolismo desses organismos muito mais eficiente. Em algumas condições, esses organismos podem obter 16 vezes mais de energia de apenas uma molécula de glicose com a presença de oxigênio do que sem.
Com mais energia, você pode ter muito mais movimentos e, assim, na época da carne, os animais que eram altamente móveis tornam-se abundantes. Eles podiam voar, nadar e correr para capturar suas presas. “Carne” é uma fonte de energia concentrada, rica em gorduras, proteínas e carbono.
Então um tipo particular de animal – os do gênero Homo – descobriram o fogo. O fogo nos permite cozinhar, o que pode ter nos permitido uma maior obtenção de nutrientes do alimento. Além disso, ele também nos permite forjar ferramentas de metal, nos fazendo economizar em mão de obra, criar fertilizantes através da síntese de Haber-Bosch, para produzir alimentos em grandes balanças industriais e também a queima de combustíveis fósseis em energia.
Este é apenas um breve resumo, mas encorajo você a ler o artigo completo. É altamente legível apesar de ter sido publicado em uma revista científica. Judson é uma escritora profissional; é autora do best-seller Dr. Tatiana’s Sex Advice to All Creation, e recentemente revisou um livro sobre polvos para The Atlantic.
Além da grande temática, o ensaio está repleto de pequenos insights que o farão ajustar a postura na cadeira e pensar um pouco mais. (Minha parte favorita é a descrição de como os vírus funcionam como “agentes da morte” e de como desempenharam um papel significativo na evolução dos primeiros micróbios). “Eu acho que qualquer artigo que possa provocar esta reação, independentemente do campo de estudo, é legal, diz Noah Fierer, um microbiologista da Universidade do Colorado, que também chamou o artigo de “leitura obrigatória” para os estudantes de microbiologia.
O ensaio é uma versão condensada e lapidada de um livro que Judson tinha escrito há uma década. Quando perguntei a Judson sobre seu livro, ela respondeu com este e-mail descrevendo o processo de criação da obra:
“Eu tentei por vários anos. Escrevi fragmentos. Li vários artigos, recolhia cada vez mais exemplos. Paguei viagens para observar as formações rochosas e colônias de bactérias. Eu incomodava as pessoas com perguntas. (Muitos desses eram completamente estranhos, porém, muitos generosos). Eu incomodava meus amigos. Eu tentava e tentava. Contratei um técnico. Escrevia mais fragmentos. Até que um dia, tive um momento de caleidoscópio: O material de repente se organizou em minha mente, criando uma nova imagem. Isso aconteceu depois de ter dado uma palestra em um instituto na França. Mais tarde, naquele mesmo dia, estava conversando com um amigo… e, de repente, esse padrão das expansões de energia me veio a mente. E, então, eu sabia como organizar o livro.”
“Impulsionada pelo sentimento de ‘eureka’ ”, disse Judson, ela, então decidiu colocar suas idéias na literatura científica. O processo de revisão por pares também a conectou com outras pessoas que tinham as mesmas idéias. “Foi uma surpresa agradável quando soube que tínhamos encontrado outro cientista com ideias semelhantes”, disse Timothy Lenton, um cientista dos sistemas da terra da Universidade de Exeter. Lenton, então, revisou seu ensaio para a revista e também escreveu sobre as revoluções energéticas.
Lynn Rothschild, uma astrobiologista da NASA Ames, disse: “Foi um desses estudos onde, droga, eu gostaria de ter escrito”. Por fim, Judson especula que outros “sistemas de vida” também possam ter evoluído em outros planetas através de uma série de expansões de energia. Se quisermos procurar por formas de vida, não devemos procurar apenas em planetas como a terra atual – coisa que Rothschild vem fazendo há anos. “Quando as pessoas falam sobre procurar vida em um planeta parecido com a terra, eles afirmam que tem que ter oxigênio e eu digo, ‘Você está louco?’”, ela diz. “Se você observasse a terra a bilhões de anos atrás, você não veria sinal de oxigênio”.
Então, a evolução da vida na terra ao longo de bilhões de anos pode nos dar uma ideia de como encontrar formas de vida menos complexas do que a nossa. Mas, como se pareceria um planeta que passou por muito mais expansões de energia do que a terra? Em outras palavras, qual será a próxima expansão energética da terra?
Uma maneira de fazer esta pergunta é questionando o que se iniciaria na próxima época energética e como isso deixaria sua marca no meio ambiente. Outra forma é de como será a vida nesse período – tanto as formas de vida que podem ser extintas, quanto as que eventualmente se tornaria possível. Afinal, levaram bilhões de anos e várias expansões de energia para tornar possível a existência de seres humanos com respiração aeróbica, que se alimentam de carne e que manuseiam o fogo. [The Atlantic]