Uma esperança chamada Greta Thunberg

SoCientífica
Greta Thunberg

O movimento mundial de jovens contra o aquecimento global teve mais um importante evento, a Greve Global pelo Clima. O movimento, iniciado pela jovem sueca Greta Thunberg em março deste ano, não parou mais e tem sido uma fagulha de esperança em tempos de negacionismo à ciência e ataques reiterados ao meio ambiente, incluindo o que se acompanha recentemente na Amazônia.

Quando Greta e seus seguidores ocuparam as ruas alertando sobre o aquecimento global, assumiram o protagonismo da maior ameaça da sustentabilidade do planeta. Um protesto local, que expandiu e tomou proporções globais, passou a ocupar as primeiras páginas dos jornais. Desde então, as sextas-feiras passaram a ser dias de mobilização que se multiplicaram em tweets, palestras, vídeos e entrevistas. Hoje, não é mais apenas a voz de Greta, mas a de milhões de jovens no mundo todo que clamam por mais cuidado com o planeta.

É animador observar uma jovem de apenas 16 anos liderar um movimento desta magnitude. Vale lembrar que as crianças e adolescentes, até pouco tempo atrás, consistiam numa parte invisível da sociedade. De miniaturas de seres adultos dos séculos XVII e XVIII (vide os quadros da família de Carlos IV, da Espanha, retratados por Goya) a figuras fragilizadas e “embalsamadas” por cueiros nas gerações de nossos avós, a compreensão da complexidade e inteligibilidade do universo infantil somente começaria a ocorrer no início do século XX. O que vemos hoje são jovens que, além da dimensão cognitiva, são dotados de uma inteligência emocional e senso de coletividade capazes de influenciar a humanidade no presente e futuro.

Ver jovens engajados pelo clima nos traz algumas reflexões que aquecem a alma em um momento de tantas turbulências. Um primeiro alento é ver que a ciência corre nas veias desta geração, contrapondo as visões carregadas de dogmatismo que invadiram parte do mundo contemporâneo. “Ouçam a ciência!”, gritam os jovens aos líderes mundiais, convidando-os a guiar suas ações pelos reiterados dados científicos que corroboram o aquecimento global.

A suposta surdez de líderes como Donald Trump e Jair Bolsonaro, que negam o problema do clima, certamente escondem interesses econômicos e escancaram a incapacidade de pensar formas alternativas para o crescimento. A geração de Greta, ao contrário, sabe que a informação científica é o melhor caminho para lidar com as certezas e incertezas do mundo. Interessante notar que este movimento surge exatamente na Suécia, país que aparece nas primeiras posições nos rankings de educação mundial. Sabemos que o conhecimento ilumina e faz dos cidadãos pessoas capazes de enxergar os problemas com discernimento. Não é coincidência que educação e ciência no Brasil têm sido tratadas com total irrelevância pelo atual governo, pois quem pensa e compreende a ciência é capaz de se posicionar corajosamente em defesa de um meio ambiente equilibrado e um crescimento econômico sustentável.

Também nos conforta ver que estes jovens assumiram um protagonismo no pacto por justiça entre gerações. Em grande medida, as ações que visam a sustentabilidade do planeta estão pautadas por um compromisso da geração atual em garantir recursos e meios de vida para as gerações futuras. Um exemplo deste compromisso é ilustrado pelo “Dia de sobrecarga da Terra” (organizado pela Global Footprint Network), que marca o momento no ano em que a presente geração esgota os recursos disponíveis para ela mesma, data esta que tem sido cada vez mais precoce. A pergunta que se coloca é: “É moralmente ético e socialmente justo que nós comprometamos os recursos e a própria vida das próximas gerações?”. Greta e seus amigos compreendem plenamente a dimensão da justiça e não se furtam de suas responsabilidades, ou seja, são reais guardiões do futuro. Mais do que isso, a geração de Greta cobra de nós, adultos, ações moralmente aceitáveis e nos convida a pensar num futuro em que as vidas de nossos descendentes e das outras espécies estão em jogo.

A greve pelo clima é também algo genuíno, saído de mentes de crianças e adolescentes de todo o mundo, desprovido de interesses econômicos, políticos ou de poder. Há muito tempo em que não vemos na sociedade ações globais concretas baseadas no altruísmo e no respeito ao próximo. A nova ordem econômica mundial e os avanços tecnológicos penetraram nas sociedades com tamanho poder, que as relações humanas se tornaram fluidas (a sociedade líquida de Zygmunt Bauman) e a preocupação com o outro passou a ser mero apêndice de vidas voltadas para a individualização do “eu”, as aparências e argumentos rasos. A preocupação com o meio ambiente e a consequente sustentabilidade planetária não podem sucumbir à sociedade líquida, pois perderiam a essência do chamado pela coletividade. As ações dos jovens pelo clima sinalizam para uma sociedade organizada, que faz uso da fluidez das redes sociais e mídia, não para propósitos de poder, mas para uma causa realmente relevante para todos.

Certamente, ninguém das gerações passadas, especialmente aquelas que se sucederam após a Revolução Industrial, imaginariam que, em pleno século XXI, precisaríamos da capacidade cognitiva e sensibilidade de uma criança para trazer para a mesa de discussão um tema da maior relevância para o futuro da humanidade: se este mundo não der certo, não tem outro e nós precisamos fazer alguma coisa. No dia de hoje, dizer que “criança é nosso futuro” deixou de ser uma mera frase de efeito para se tornar uma verdadeira esperança de um mundo melhor.

Marcia Marques é professora titular da Universidade Federal do Paraná, vice-presidente da Associação Brasileira de Ciência Ecológica e Conservação (ABECO) e membro da Rede de Especialistas em Conservação da Natureza.

Originalmente publicado em EcoDebate.

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