Trilobitas de 390 milhões de anos tinham olhos com centenas de sensores visuais

Mateus Marchetto

Ainda nos anos 70, o radiologista Wilhelm Stürmer realizou diversos exames de raio-X em trilobitas de mais de 390 milhões de anos. A partir de seus estudos como paleontólogo amador, Stürmer identificou uma estrutura completamente nova nos olhos dos trilobitas, apesar de contrariado pela comunidade científica.

Analisando os dados de Stürmer, uma equipe de pesquisadores conseguiu identificar que o radiologista chegou a uma conclusão bastante acertada quando analisou fósseis do trilobita Phacops geesops. Acontece que Stürmer observou certas estruturas fibrosas no fóssil do animal, e sugeriu que estas eram resquícios de nervos ópticos do bicho.

No entanto, o consenso na época era de que apenas ossos e dentes se conservavam em fósseis. Isso porque estes materiais calcários são mais rígidos e demoram mais para se decompor. Por esse motivo, especialistas não levaram muito a sério as observações do paleontólogo amador.

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Assim como insetos, estes trilobitas tinham olhos compostos, com aparência de fractais. Imagem: Ian Lindsay / Pixabay 

Hoje sabe-se, por outro lado, que em certas situações os tecidos moles (como nervos e cartilagem) podem se conservar. E é isso inclusive que uma equipe de cientistas relata no artigo publicado no periódico Scientific Reports. De acordo com os pesquisadores, as observações de Stürmer realmente mostravam resquícios de nervos ópticos conservados.

Infelizmente, o radiologista faleceu ainda nos anos 80, muito antes de suas descobertas científicas terem se confirmado. De acordo com os autores da pesquisa, alguns dos raios-X de Stürmer tinham até marcações a caneta indicando as estruturas ópticas.

Adaptação dos trilobitas e semelhanças com insetos

O que a equipe descobriu, mais especificamente, é que os trilobitas Phacops geesops possuíam olhos compostos, mais ou menos como alguns insetos modernos. Até aí a novidade não é grande, uma que pesquisadores já conheciam trilobitas de quase 500 milhões de anos com essa característica.

No entanto, o Phacops geesops aparentemente tinha olhos que os autores definem como hiper-compostos.

Primeiramente é preciso entender, então, o que é um olho composto. Esse tipo de estrutura, como dito, está presente nos insetos e diversos invertebrados extintos. Um olho composto possui várias pequenas lentes (omatídeos), cada uma absorvendo a luz independentemente. Uma abelha-rainha, por exemplo, pode ter quase 4000 destas pequenas lentes em seus olhos.

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Trilobitas dominaram o planeta pela maior parte do período Devoniano. Imagem: Sergio Cerrato – Italia / Pixabay 

Acontece que os omatídeos destes trilobitas eram muito maiores – quase oito vezes – do que os presentes em outros animais conhecidos. Além do mais, cada uma destas pequenas lentes possuía estruturas semelhantes a retinas, que provavelmente tinham a função de formar imagens mais complexas.

Vale ressaltar, ademais, que os trilobitas eram invertebrados aquáticos, parentes distantes dos artrópodes modernos. Esses animais provavelmente viviam em profundidades intermediárias e, portanto, a visão complexa desta forma seria uma grande vantagem evolutiva.

Os pesquisadores ainda ressaltam que as fibras registradas por Stürmer nos seus raios-X eram provavelmente parte do sistema nervoso ligado aos olhos e, consequentemente aos omatídeos.

O radiologista que levava seus equipamentos em um mini-ônibus para diversos sítios de escavação, portanto, ajudou pesquisadores a analisar algo muito mais profundo que fibras ópticas. Stürmer trouxe luz (ou raios-X) para uma estrutura completamente nova no reino animal e que diz muito sobre a evolução e complexidade dos artrópodes.

A pesquisa está disponível no periódico Scientific Reports.

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