Em 1842, Samuel Earnshaw provou uma hipótese no magnetismo, dando origem ao Teorema de Earnshaw, nomeado em sua homenagem. Em resumo, o teorema diz que “nenhum corpo pode estar em equilíbrio estável de sobre ele só atuarem forças eletrostáticas”. É isso, por exemplo, que dificulta a levitação magnética. Então, para levitar coisas, precisamos de campos magnéticos especiais, produzidos com algumas características específicas.
E bom, esse teorema possui outras implicações. Uma delas, então, é de que o ponto de força máxima de um campo magnético não pode estar fora da fonte. Ou seja, não existe a possibilidade de se criar um campo magnético no espaço vazio. Isso implica que não podemos controlar um campo magnético à distância. Por exemplo, sofremos efeitos do campo magnético da Terra – e a bússola é uma prova disso. Mas esse campo não vem do nada. Ele vem, portanto, principalmente das movimentações de metais próximos ao núcleo da Terra. O campo magnético obrigatoriamente circunda o objeto que o gera.
O Teorema de Earnshaw não está errado
E não, Earnshaw não errou. Seu teorema no magnetismo é uma consequência direta da Lei de Gauss – uma importante lei do eletromagnetismo, uma das bases dessa área. Portanto, o Teorema de Earnshaw continua a valer. Você não pode criar um campo magnético no espaço livre.
“Se você não pode ter um máximo de campo magnético no espaço vazio, isso significa que você não pode criar o campo de uma fonte magnética remotamente, sem colocar uma fonte [magnética] real no local de destino”, explicou ao portal Live Science a física italiana Rosa Mach-Batlle, do Instituto Italiano de Tecnologia.
A pesquisadora liderou um estudo onde a equipe conseguiu burlar esse princípio do eletromagnetismo – não quebrando as leis da física, mas utilizando uma ilusão. “Nossa estratégia leva a uma focalização sem precedentes de campos magnéticos no espaço vazio e permite o cancelamento remoto de fontes magnéticas, abrindo um caminho para a manipulação de campos magnéticos em regiões inacessíveis”, escrevem os pesquisadores no resumo do artigo.
É importante criar e manipular campos magnéticos à distância, em espaços livres, por exemplo, para a medicina. Os médicos conduzem alguns tipos de medicamentos com campos magnéticos. Mas o procedimento é bastante invasivo, já que ele precisa de uma fonte dentro da pessoa, em alguns casos. Manipular o campo a distância significa procedimentos menos invasivos, nesse caso.
Como foi esse experimento?
Metamateriais são esquisitos. Os pesquisadores os sintetizam para aplicabilidades que não ocorrem naturalmente em nenhum outro tipo de material. Como resultado, então. parecem quebrar as leis da física, em alguns momentos. A equipe se inspirou em alguns trabalhos de óptica que também contornam algumas impossibilidades físicas.
Para isso, eles calcularam como tudo ocorreria em um metamaterial de permeabilidade magnética negativa. A permeabilidade magnética determina como o interior de um material interage com um campo magnético gerado por outro campo. Um bom exemplo, é quando você aproxima um ímã de um ferro e o magnetiza, por exemplo. Mas ter a permeabilidade magnética negativa significa que que a direção do novo campo induzido se opõe a direção do campo magnético inicial.
Eles não criaram metamaterial algum. Mas eles simularam a permeabilidade magnética negativa com um arranjo específico de correntes elétricas organizadas de forma extremamente precisas. Juntas, essas correntes comportaram-se como um metamaterial real.
Eles organizaram 21 fios – magnetismo e eletricidade caminham lado a lado. 20 deles circundavam um cilindro e um passava por dentro do cilindro. A ideia é simples, mas bastante engenhosa. Quando eles passaram uma corrente pelos fios, o jogo de correntes causou algo estranho. O campo magnético daquele fio central não parecia vir do fio, mas de 2 centímetros ao lado, “burlando” o Teorema de Earnshaw
O aparelho ainda não possui aplicações – apenas uma demonstração da ilusão. Eles ainda precisam refinar a tecnologia para, então, manipular os campos magnéticos de forma mais complexa, e, portanto, utilizá-la na medicina e em outras aplicações possíveis no futuro.
O estudo foi publicado no periódico Physical Review Letters.