O espaço agride o corpo humano de diversas formas possíveis. A radiação, cuja exposição prolongada traz efeitos negativos, a microgravidade, que afeta os ossos e a coluna. A falta da gravidade, portanto, enfraquece o sistema ósseo, causa também perda de peso e até mesmo problemas na visão, entre outros efeitos do espaço.
Agora, então, um novo estudo no periódico Science Advances analisou o fluido cerebral de 11 cosmonautas (astronautas russos) que viajaram para a ISS (sigla em inglês para Estação Espacial Internacional). O cérebro é bastante plástico às mudanças – e o estudo, que escaneou o cérebro dos cosmonautas, mostrou essa neuroplasticidade com bastante detalhes.
“Com as técnicas que usamos, podemos ver claramente que há mudanças microestruturais em três áreas principais do cérebro que estão envolvidas no processamento motor”, disse o autor principal, Steven Jillings, neurocientista da Universidade de Antuérpia, na Bélgica, ao The Guardian.
Os cientistas escanearam os cérebros dos cosmonautas em três momentos diferentes. São eles: antes dos vôos, nove dias após o retorno à Terra e seis a sete meses após o retorno. O método utilizado chama-se ressonância magnética ponderada por difusão (dMRI, na sigla em inglês), e cria um mapa da difusividade das moléculas de água presentes nos tecidos. O tempo médio das missões foi de 171 dias.
Constatações gerais dos efeitos do espaço
O líquido cefalorraquidiano (LCR), que banha o cérebro, no entorno, se redistribuiu na microgravidade. Nesse processo, então, o líquido empurra o cérebro para o topo do crânio. Possivelmente, isso associa-se, sobretudo. à perda de nitidez na visão, por efeitos do reposicionamento do cérebro em em algumas cavidades no cérebro.
O LCR ajuda na proteção do cérebro (como um colchão ou um amortecedor). Além disso, possui um importante papel na limpeza de resíduos nos tecidos nervosos.
Efeitos nos ventrículos cerebrais, que produzem e ajudam no escoamento do LCR, são os responsáveis pelos problemas na visão. Mais precisamente, obstáculos para a circulação normal do fluido. Não trata-se de algo como um aumento na pressão cerebral, mas de alguma maneira afeta a visão.
Mudanças miscroestruturais
Já as principais mudanças microestruturais estão no córtex motor primário, responsável por sinais de movimento, como seu próprio nome sugere; o cerebelo, cujo papel está no equilíbrio e nos movimentos finos e nos gânglios da base, responsável, entre diversas tarefas, por atuações relacionadas ao sistema motor.
Embora o cérebro se adapte novamente à Terra, algumas das mudanças ainda eram presentes mesmo após os sete meses já de volta na Terra. Isto é, os cosmonautas e astronautas não “se curam” completamente.
“O que vemos faz muito sentido. É um sinal da situação complexa em que os cosmonautas se encontram e de que estão aprendendo a se adaptar a esse ambiente extremo”, diz o autor sênior, Floris Wuyts, ao The Guardian. “Uma coisa tão diferente no espaço é a falta de gravidade. Se houver falta de gravidade, você terá que reaprender como se mover de maneira adequada”.
“Sete meses após a missão espacial, a maioria das mudanças iniciais pós-vôo se recuperou para níveis pré-vôo, embora o aumento ventricular persistisse e o tecido GM ou WM permanecesse aumentado em algum grau nas áreas do cérebro sensório-motoras.”, explica a equipe no estudo.
Planejamento
Jillings se interessou pelo assunto quando seu supervisor, Wuyts, autor sênior desse novo estudo, propôs, em 2009, exames com ressonância magnética no estudo da neuroplasticidade cerebral. Em 2013 o projeto inicia-se e Jillings ingressa no grupo em 2016. Em 2017, por fim, os pesquisadores terminaram os preparativos, com estatísticos suficientes para a principal parte do estudo – os exames com cosmonautas.
Dessa maneira, novas técnicas de ressonância magnética utilizadas em estudos futuros trarão novos detalhes e novas respostas para os efeitos do espaço no cérebro. O órgão sempre impressiona com a tamanha plasticidade, regida pela situação vigente.
O estudo foi publicado no periódico Science Advances. Com informações de Space.com e The Guardian.