Por que não há uma rede de trens na América Latina como na Europa?

A resposta pode estar em uma mistura de alto custo de reforma, baixa competitividade e corrupção.

Felipe Miranda
A região metropolitana de São Paulo tem algumas das poucas linhas ferroviárias de passageiros. Imagem: Governo do Estado de São Paulo

Não há uma boa rede de trens na América Latina como há nos países europeus. No Brasil, vemos uma enorme malha rodoviária. Em determinados horários, há uma gigante quantidade de caminhões. São os caminhões que movimentam a logística brasileira. No entanto, para transportes de grandes quantidades de mercadorias em grandes distâncias, os caminhões são muito ineficientes, se comparados aos trens.

Mas até que na área de carga os trens ainda são bem utilizados, se comparado ao transporte de pessoas. Você deve ver trens atravessando ferrovias com frequência. Foram abandonados mesmos os trens de passageiros. Você pode ir de Londres à Paris de trem. Você pode cruzar todos os países da Europa central de trem. Mas você não consegue ir de São Paulo à Salvador de trem. Se quer ir de transporte público, vá de avião ou de ônibus.

Os trens são um meio de transporte rápido e barato. Para ir de Madrid à Barcelona, na Espanha, de trem, você leva cerca de duas horas e meia. Para percorrer esses mais de 600 quilômetros de carro, você levaria cerca de seis horas de viagem. Londres e Paris estão separadas pelo mar, mas mesmo assim, em pouco mais de duas horas você pode viajar entre as duas cidades com um embarque mais prático do que ir até um aeroporto e de maneira muito mais barata que um avião.

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Moderno trem Italiano. Imagem: Nelso Silva

O declínio dos trens sul-americanos – não há uma boa rede de trens na América Latina

O Brasil e Argentina estão entre os 10 países com as maiores redes ferroviárias do mundo. Mas elas são precárias. E não culpe apenas Juscelino Kubistchek ou Washington Luís. O buraco é mais embaixo.

“Na década de 1980, por diversos fatores, inclusive políticos, a rede de transporte de passageiros começou a declinar até o ponto em que estamos agora”, disse à BBC Sebastián Astroza, professor da Universidade de Concepción, no Chile. O pesquisador explica que “o trem passou a ser obrigado a ser economicamente lucrativo, apesar de a grande maioria dos sistemas ferroviários do mundo precisar de subsídios”.

Não há uma uma boa rede de trens na América Latina, pois também havia a questão de gastos. Não havia tanto dinheiro para reformar e expandir a malha ferroviária de transporte de passageiros. Era uma questão de corte de gastos.

“Os serviços de longa distância de passageiros foram descontinuados, fundamentalmente na década de 1990. Eram serviços muito precários e as concessionárias não tinham interesse em se dedicar a eles”, explicou à BBC Jorge Kohon, engenheiro civil especialista em transporte ferroviário e consultor do Banco Mundial”.

“Comparado com a simplicidade de um ônibus ou mesmo de um avião, que agora se tornou muito mais competitivo, é muito difícil para as ferrovias de longa distância sobreviverem”, explica Kohon. “Uma locomotiva nova custa cerca de US$ 3 milhões [quase R$ 16 milhões]. Um vagão pode custar até US$ 1 milhão. E, se falarmos da construção dos trilhos, o custo de um trem de alta velocidade está entre US$ 20 milhões e US$ 30 milhões por quilômetro”, diz.

Também há a questão da corrupção: os projetos podem causar bilhões em desvios, além daquele famoso caso nos países latinos: obras que se iniciam e nunca são finalizadas. Os maiores casos de corrupção estão ligados justamente à obras de infraestrutura.

não há uma boa rede  de trens na América Latina
Passeio de trem entre Curitiba e Morretes, um dos poucos locais onde há trem de passageiros no Brasil. Não há uma boa rede de trens na América Latina. (Imagem: Adam Jones / Wikimedia Commons).

Transporte de carga

A carga não possui tanta pressa como pessoas entediadas, ou pessoas viajando a trabalho. Se a viagem demorar 12 horas a mais, ou um dia a mais, a carga não reclamará. Além disso, mercadorias não exigem conforto.

Uma coisa que é perceptível nos trens brasileiros é a precariedade – máquinas e vagões antigos.

“O que importa é que a pista possa suportar o peso máximo possível dos vagões. A velocidade de tráfego não é tão importante. Nas ferrovias latino-americanas, ela costuma ser de 50 ou 60 km por hora”, diz Kohon.

E para solucionar esse problema, não basta colocar trens novos nos trilhos velhos.

“Nesses trilhos você pode viajar a 70 ou 80 km por hora com sorte, mas não pode ir a 120, 140 ou 150 [km por hora], muito menos correr em um trem de alta velocidade”.

“A essa velocidade, um trem não é competitivo nem com ônibus, muitos dos quais circulam em rodovias expressas, nem com carros, nem, é claro, com companhias aéreas de baixo custo”.

Portanto, não há uma boa rede de trens na América Latina por uma mistura de alto custo para se reformar a antiga rede existente, existência da corrupção e falta de competitividade.

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