O que se passava na cabeça dos dinossauros enquanto eles habitavam nas florestas do Cretáceo, ferozes perseguições ou sentados em um ninho de ovos gigantes? Paleontólogos podem nunca saber a resposta a estas perguntas, mas eles acabam de dar mais um passo para a resposta com a primeira descoberta de tecido cerebral de um dinossauro. E é pequeno.
Fósseis de dinossauros não são sempre restos mineralizados de ossos. De vez em quando, você tem a impressão de uma pegada, ou os contornos de um braço, ou de penas, ou uma “asa” fossilizados. Às vezes, os paleontólogos dão sorte e encontram segmentos de tecidos de dinossauro, incluindo pele, capilares, e – como revelado em uma incrível publicação na Geological Society of London — até mesmo um cérebro.
Um caçador de fósseis, pesquisando em torno de Sussex, no sudeste da Inglaterra há quase uma década, se deparou com uma pedrinha marrom. Depois de ser analisada por um grupo de paleontólogos, foi revelado inesperadamente que o fóssil passa ter sido o delicado tecido cerebral de um Iguanodon, um dinossauro herbívoro que viveu cerca de 133 milhões de anos atrás, no início do Cretáceo. Descobrir qualquer tecido mole de um dinossauro é raro, uma vez que o material se degrada mais rapidamente do que outros tipos de tecido – e os dinossauros viveram há mais de 66 milhões de anos.
Significativamente, esse é o primeiro exemplo de tecido cerebral fossilizado de um dinossauro. Embora o próprio tecido biológico original já não exista, os imaculados detalhes complexos de suas estruturas foram extremamente bem preservados, no que os pesquisadores têm se referido como “fantasmas mineralizados.”
O co-autor do estudo, Dr. Alex Liu, um paleobiólogo na Universidade de Cambridge, disse que os tecidos cerebrais “estão entre os tecidos menos prováveis que seria de esperar que sejam encontrados em um vertebrado terrestre fossilizado”. Esse tecido mole em particular foi essencialmente preservado logo após o dinossauro morrer, de acordo com os pesquisadores, o que é por isso que foi tão bem conservado.
Os pesquisadores esboçaram a sequência temporal de como o pequeno pedaço de tecido de cérebro de dinossauro se tornou um fóssil de aparência de seixo. Apesar da fossilização e erosão, eles foram capazes de identificar estruturas diferentes no interior do tecido.
“O que achamos que aconteceu é que este dinossauro em particular, morreu dentro ou perto de um corpo de água, e sua cabeça acabou parcialmente enterrada no sedimento no fundo,” disse outro pesquisador da Universidade de Cambridge co-autor do estudo, David Norman, em um comunicado.
Este infeliz dinossauro parece ter morrido perto de um atoleiro ou um pântano, de um tipo contendo uma nauseante sopa com baixa concentração de oxigênio e ácida. Tendo tomado um tombo nesse atoleiro, seu cérebro esteve essencialmente “em conserva”, livre da confusão de bactérias hostis, e seu tecido mole foi mineralizado antes de ter sido deteriorado. “Já que a água continha pouco oxigênio e era muito ácida, os tecidos moles do cérebro provavelmente foram preservados e enterrados no sedimento antes que o resto do seu corpo.”, explicou Norman.
Usando um microscópio de varredura eletrônica (SEM) – que produz imagens em detalhes movendo finos feixes de elétrons sobre um objeto – os pesquisadores identificaram diferentes estruturas dentro do tecido de tamanho de um seixo. Nas imagens, eles puderam identificar as meninges (tecido que envolve o cérebro), fios de colágeno, vasos sanguíneos, e as estruturas que poderiam ser do córtex cerebral (a camada mais externa do cérebro).
A estrutura vista dentro do tecido cerebral fossilizado mostrou semelhanças encontradas nos cérebros de aves e crocodilos – descendentes modernos dos dinossauros. “Ele estava realmente estruturado de forma bastante parecida com aquela vista normalmente nos répteis”, disse Norman. “Ele também nos mostra que os dinossauros não eram necessariamente muito inteligentes – seus cérebros não enchem suas caixas cranianas como neste caso.” O vídeo acima mostra o tecido cerebral fossilizado de dinossauro como visto pela varredura eletrônica (crédito: University of Manchester).
Na imagem a seguir, vemos uma fotografia e uma renderização digital do fóssil que destacam a construção do espécime. Os pesquisadores acreditam que o cérebro foi essencialmente conservado logo após a morte do dinossauro, permitindo a fossilização do tecido mole, que se degrada mais rapidamente do que outros tipos de material orgânico.
No entanto, é possível que a morte dramática do dinossauro pode ter desalojado o cérebro ligeiramente, fazendo com que ele fosse preservado pressionado contra o crânio quando na realidade poderia estar posicionado a uma maior distância. Sem ver os lobos do próprio cérebro, a equipe não pode ter certeza sobre a verdadeira dimensão do seu cérebro.
Surgido em torno de 20 milhões de anos depois que o dócil quadrúpede Estegossauro e o Archaeopteryx, um dinossauro semelhante a um pássaro e do porte de um corvo, fizeram sua estréia, os Iguanodons foram animais bípedes desajeitados e volumosos que se alimentavam de vegetação baixa e lutavam contra predadores com seus dedos incomuns em forma de garras.
O Iguanodon pertencia aos ornitisquianos, o grupo de dinossauros que não continham as formas verdadeiras de aves ancestrais. Apesar disso, Liu observa que o cérebro em forma de salsicha deste herbívoro parece ser muito semelhante a de um pássaro, bem como mostra algumas semelhanças morfológicas com o de crocodilos modernos.
Nos répteis, e é sabido que para os dinossauros também, o cérebro só ocupa cerca de metade do espaço dentro da cavidade craniana. O resto do espaço é uma região densa de vasos sanguíneos que rodeia o cérebro. Com base nas estruturas vistas no cérebro fossilizado, os pesquisadores disseram que ele é consistente com os de répteis. Embora acredita-se que alguns dinossauros ostentavam cérebros bastante grandes, nomeadamente os que levaram aos pássaros modernos, Norman informou que este fóssil em particular não exibia tal tamanho.
“Parece que o cérebro nestes dinossauros foi, contudo, muito semelhante ao de aves modernas, na medida em que preenche uma proporção maior da caixa craniana,” adicionou Liu.
Os pesquisadores também advertiram contra tirar conclusões sobre a inteligência dos dinossauros a partir deste fóssil em particular. No entanto, eles postulam que este dinossauro e seus parentes tinham comportamentos relativamente complexos. “É razoável supor que dinossauros iguanodontes deste tipo tinham um comportamental moderadamente complexo (não menos do que os crocodilianos modernos, por exemplo)”, escreveram os pesquisadores.
O principal autor do estudo, o professor Martin Brasier da Universidade de Oxford, morreu em um acidente de carro em 2014 deixando essa pesquisa deste fóssil incrível pela metade, e esta publicação especial é dedicada ao notável trabalho de sua vida.
“O Professor Brasier era um colega muito solidário, e tem sido um privilégio trabalhar no sentido de publicar um artigo sobre esse objeto muito especial, em um livro em sua memória,” disse o co-autor do estudo, Dr. Russell Garwood, paleontólogo da Universidade de Manchester.
Os resultados da pesquisa foram publicados em 27 de outubro de 2016 em uma edição especial da Geological Society of London, em homenagem a Martin Brasier da Universidade de Oxford. Brasier e Norman coordenaram a investigação sobre este fóssil em particular durante os anos antes da morte de Brasier. Sem dúvida, o Professor Brasier teria ficado entusiasmado por ter sido parte de uma descoberta que acabou por ser verdadeiramente reveladora. Afinal, não há melhor maneira de determinar a inteligência de um dinossauro que olhando para o seu cérebro.