Origem da vida: a evolução darwiniana iniciou antes da própria vida?

Samuel Fernando
Como as moléculas de cadeia longa são formadas [Crédito:©LMU]

Um estudo conduzido por físicos da Ludwig-Maximilians-Universität München na Alemanha, liderado pelo Prof. Dieter Braun, demonstrou que as características fundamentais das moléculas poliméricas, como a composição de suas subunidades, são suficientes para desencadear processos de seleção em um cenário prebiótico, isto é, antes do que chamamos de “vida” em termos biológicos. Antes do surgimento da vida na Terra, muitos processos físico-químicos em nosso planeta eram altamente caóticos. Uma infinidade de pequenos compostos e polímeros de comprimentos variados, compostos de subunidades (como as bases encontradas no DNA e no RNA), estavam presentes em todas as combinações concebíveis. Antes que processos químicos semelhantes à vida pudessem surgir, o nível de caos nesses sistemas teve que ser reduzido. Mas como? Seria por meio da seleção natural antes da própria vida emergir?

Essa questão já foi muito explorada e foi demonstrado como a ordem espacial poderia ter se desenvolvido em câmaras estreitas e cheias de água em rochas vulcânicas porosas no fundo do mar. Esses estudos mostraram que, na presença de diferenças de temperatura e de um fenômeno conhecido como efeito Soret, ou termoforese (quando existe a mistura de dois ou mais tipos de partículas que se movimentam ao serem submetidas à força de um gradiente de temperatura e a diferentes tipos de partículas), os filamentos de RNA poderiam ser acumulados localmente em várias ordens de magnitude de uma maneira dependente do tamanho.

As ribozimas (enzimas baseadas em RNA) têm uma sequência de bases muito específica que permite que as moléculas se dobrem em formas particulares, enquanto a grande maioria dos oligômeros formados na Terra Primitiva provavelmente tinham sequências aleatórias. “O número total de possíveis sequências de base, conhecido como ‘espaço de sequência’, é incrivelmente grande”, diz Patrick Kudella, primeiro autor do novo estudo. “Isso torna praticamente impossível montar as estruturas complexas características de ribozimas funcionais ou moléculas comparáveis por um processo puramente aleatório.” Isso levou a equipe do LMU a suspeitar que a extensão das moléculas para formar ‘oligômeros’ maiores estava sujeita a algum tipo de mecanismo de pré-seleção.

Como no período da Origem da Vida havia apenas alguns processos físicos e químicos muito simples em comparação com os sofisticados mecanismos atuais de replicação das células, a seleção de sequências deve ser baseada no ambiente e nas propriedades dos oligômeros. Pois bem, para a função catalítica e estabilidade dos oligômeros, é importante que eles formem fitas duplas como a conhecida estrutura helicoidal do DNA. Esta é uma propriedade elementar de muitos polímeros e permite arranjos complexos com partes de fita simples e dupla. As partes de fita simples podem ser reconstruídas por dois processos. Primeiro, pela chamada polimerização, em que as fitas são completadas por bases simples para formar fitas duplas completas. O outro é o que se conhece como ligadura. Nesse processo, oligômeros mais longos são unidos e ambas as partes de fita simples e dupla são formadas, o que permite um maior crescimento do oligômero.

“Nosso experimento começa com um grande número de fitas curtas de DNA, e em nosso sistema modelo para os primeiros oligômeros, usamos apenas duas bases complementares, a adenina e timina”, diz Braun. “”Assumimos que a ligação de fitas com sequências aleatórias leva à formação de fitas mais longas, cujas sequências de bases são menos caóticas.” O grupo de Braun então analisou as misturas de sequências produzidas nesses experimentos usando um método que também é usado na análise do genoma humano. O teste confirmou que a entropia da sequência, ou seja, o grau de desordem ou aleatoriedade dentro das sequências recuperadas, foi de fato reduzida nesses experimentos.

Os pesquisadores também foram capazes de identificar as causas dessa ordem “autogerada”. Eles descobriram que a maioria das sequências obtidas caiu em duas classes – com composições de base de 70% de adenina e 30% de timina, ou vice-versa. “Com uma proporção significativamente maior de uma das duas bases, o filamento não pode dobrar sobre si mesmo e permanece como um parceiro de reação para a ligadura”, explica Braun. Assim, dificilmente quaisquer filamentos com metade de cada uma das duas bases são formados na reação. O resultado surpreendeu os pesquisadores, porque uma fita de apenas duas bases diferentes com uma proporção de base específica tem maneiras limitadas de se diferenciar uma da outra. “Apenas algoritmos especiais podem detectar detalhes tão surpreendentes”, diz Annalena Salditt, co-autora do estudo.

Os experimentos mostram que as características mais simples e fundamentais dos oligômeros e de seu ambiente químico podem fornecer a base para processos seletivos. Mesmo em um sistema com um modelo simplificado, vários mecanismos de seleção podem entrar em ação, os quais têm um impacto no crescimento do filamento em diferentes escalas de comprimento e são o resultado de diferentes combinações de fatores. De acordo com Braun, esses mecanismos de seleção foram um pré-requisito para a formação de complexos cataliticamente ativos como as ribozimas e, portanto, desempenharam um papel importante no surgimento da vida a partir do caos, da “sopa química primordial”.

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