Orangotangos são os únicos grandes primatas — além dos humanos — a “falar” sobre o passado

Diógenes Henrique

Quando os orangotangos selvagens localizam um predador, eles soltam um som alto, um “kiss-squeak”, um chamado que soa como um beijo humano. Esse barulho, acreditam os cientistas, diz aos tigres e outros inimigos “Eu vi você” e também permite que outros orangotangos saibam que o perigo está próximo. Agora, os pesquisadores relatam ter ouvido os orangotangos fazerem essa ligação muito depois de os predadores terem passado — a primeira evidência de que os primatas, além dos humanos, podem “falar” sobre o passado.

“Os resultados são bastante surpreendentes”, diz Carel van Schaik, um primatologista da Universidade de Zurique, na Suíça, que não esteve envolvido com a pesquisa. A capacidade de falar sobre o passado ou o futuro “é uma das coisas que torna a linguagem tão eficaz”, diz ele. Isso sugere, acrescenta, que as novas descobertas podem fornecer pistas para a evolução da própria linguagem.

Muitos mamíferos e aves têm chamadas de alarme, algumas das quais incluem informações sobre o tipo e o tamanho de um predador, sua localização e distância e o nível de perigo que ele representa. Mas até agora, os pesquisadores nunca ouviram animais selvagens anunciando perigo após o fato.

Adriano Reis e Lameira, um estudante de pós-doutorado na Universidade de St. Andrews, no Reino Unido, estava examinando chamadas de alarme em orangotangos na densa floresta Ketambe de Sumatra, onde os primatas são observados há quase quarenta anos. Ele montou um experimento simples para investigar suas chamadas de alarme: um cientista envolto em um lençol listrado, que imitava a pelagem de tigres, andou de quatro no chão da floresta, embaixo de orangotangos fêmeas solitárias sentadas em árvores a alturas de cinco a vinte metros de distancia do chão.

Uma vez vistos, os cientistas esperavam dois minutos antes de sair da vista dos animais. Nesse ponto, Lameira esperava que os orangotangos emitissem um alarme. Mas a primeira fêmea que eles testaram, uma mãe mais velha com um filho de nove anos, não emitiu nenhum som. “Ela parou o que estava fazendo, pegou o bebê, defecou [um sinal de aflição] e começou a subir mais alto na árvore”, lembrou Lameira. “Ela estava completamente quieta.”

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Um modelo de tigre apresentado a orangotangos selvagens para provocar respostas vocais de alarme. Imagem: Adriano R. Lameira

Lameira e seus assistentes esperaram — e esperaram, esperaram… “Foi frustrante. Vinte minutos se passaram. E então ela finalmente o fez.” Mas não foi apenas um grito de alarme. “Ela chamou por mais de uma hora.”

Aquela foi a mais longa espera que Lameira teve que por ocasião do experimento com uma das sete fêmeas que participou do teste. Ainda assim, todos eles atrasaram a chamada de alarme — esperando uma média de sete minutos. Ele não acha que os macacos estavam “petrificados de medo” porque não hesitaram em agarrar seus bebês ou subir para uma altura mais segura. Em vez disso, ele acha que as fêmeas estavam quietas para não chamar atenção. “A mãe viu o predador como perigoso demais para o seu filho e optou por não se importar até que ele fosse embora”, diz o pesquisador. Então, e só então, ela forneceu informações, deixando a criança aprender sobre o perigo que havia passado, relatou a equipe na Science Advances.

Não responder imediatamente a um estímulo (neste caso, um tigre) é considerado um sinal de inteligência, diz Lameira. É um talento que acompanha outras habilidades encontradas em grandes símios, como a memória de longo prazo, a comunicação intencional em vez da instintiva e o controle preciso dos músculos laríngeos, que acabaram levando à evolução da linguagem, argumenta ele.

Simon Townsend, um psicólogo comparativo da Universidade de Zurique, concorda, dizendo que o artigo sugere que a capacidade de discutir eventos importantes depois de terem acontecido é um “bloco de construção cognitiva” da linguagem. Van Schaik, no entanto, acha que a capacidade dos orangotangos é fundamental para a evolução da própria linguagem, e não simplesmente outro bloco de construção.

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