A colonização da América do Sul pelos europeus foi caracterizada pela abordagem truculenta aos povos nativos, a imposição da cultura e religião europeias, bem como a retirada massiva dos recursos naturais que existiam em abundância no território americano. Nesse contexto, fica evidente que os países que passaram pela colonização foram subjugados – e ainda continuam sendo. Os diversos casos de xenofobia de portugueses contra brasileiros deixam claro esse cenário.
Em um desses episódios, o ex-ministro da Justiça do Brasil, Flávio Dino, fez uma declaração num evento em Brasília, se referindo a ofensas feitas no aeroporto do Porto, onde uma mulher gritou para uma brasileira “voltar para sua terra” e que brasileiros estão “invadindo Portugal”. Na ocasião, Dino comentou “Concordo até que [os portugueses] repatriem todos os imigrantes [brasileiros] que lá estão, devolvendo junto o ouro de Ouro Preto e aí fica tudo certo, a gente fica quite.”
A fala do ex-ministro sobre a devolução do ouro soma a discussão acerca de onde foi parar o metal precioso que Portugal retirou do Brasil.
Portugal e sua busca desenfreada por ouro
Não se sabe ao certo qual o volume de ouro do Brasil que foi levado para Portugal. No entanto, a discussão sobre a desvantagem brasileira e benefício português ainda é relevante, mesmo que as épocas sejam distintas, uma vez que os efeitos humanos, sociais e ambientais são sentidos até hoje no Brasil e não na Europa, como aponta o historiador Leonardo Marques, professor de América colonial na Universidade Federal Fluminense (UFF).
Desse modo, a exploração do ouro no Brasil começou em um período crítico, marcado por uma crise econômica que afetava Portugal, a Europa e o restante do mundo. A escassez de metais preciosos no mercado global agravou a situação, especialmente após a euforia das descobertas das minas de prata na América espanhola, que começavam a se esgotar.
Portugal enfrentava desafios adicionais. Em 1640, a União Ibérica – a unificação das coroas espanhola e portuguesa – chegou ao fim, e os holandeses haviam capturado vários entrepostos comerciais portugueses na Ásia. Simultaneamente, a produção de açúcar no Caribe, especialmente em Barbados, estava em ascensão, competindo diretamente com a produção açucareira brasileira.
Nesse contexto, a coroa portuguesa incentivou a busca por ouro no Brasil, o que começou a transformar profundamente o interior da colônia. Segundo Marques, há indícios de que alguns colonos já exploravam o ouro anteriormente, mas foi apenas no final do século XVII que essa atividade se intensificou e se tornou amplamente conhecida.
Dados do Bureau of Mines (Departamento de Minas) dos Estados Unidos revelam que, no século XVIII, a produção de ouro nas Américas representava 85% da produção mundial.
No século XVII, essa porcentagem era de 66%, e no século XVI, apenas 39%. Esse crescimento impressionante foi impulsionado principalmente por Minas Gerais, tornando o Brasil o maior fornecedor de ouro do mundo. “Esse salto é monumental e sem precedentes na história. O Brasil se tornou, de longe, o principal distribuidor de ouro globalmente”, ressalta Marques.
Grã-Bretanha
Com base em documentos históricos, o ouro do Brasil retirado por Portugal ia, em grande parte, para a Grã-Bretanha e também para a África. Marques explica que “a Grã-Bretanha está no coração de uma transformação financeira radical no mundo. Por isso há uma demanda muito grande não só pela moeda em si, que vai circular e lubrificar economias, mas também como um estoque monetário para os bancos que estão surgindo, que vai dar segurança à economia. Todo o sistema de crédito britânico está ancorado nisso. E o motor é a mineração no Brasil.”
Nesse viés, o diplomata português D. Luís da Cunha chegou a escrever: “Sempre estaremos dependentes da Inglaterra, que tem Portugal pela melhor das suas colônias, pois lhe dá o ouro e os diamantes, que lhe não produz”.
Diante das diversas transformações sociais e econômicas, Marques aponta que muitos dos problemas atuais do Brasil são consequências de uma lógica de exploração que deixou cicatrizes profundas e persistentes.