Prever sistemas complexos, como o clima, é difícil. Todavia, o clima e seu funcionamento não mudam de um dia para o outro, em contraste com certos sistemas, que alcançam pontos de inflexão, mudando drasticamente de comportamento, às vezes de forma irreversível, sem aviso e com consequências catastróficas.
Numa escala de tempo longa, muitos sistemas do mundo real são assim. Para algumas questões, como o fluxo de água no Atlântico Norte, algo que contribui com a manutenção da temperatura global, a situação está mudando.
As correntes estão se reduzindo devido ao aumento da água doce oriunda das camadas de gelo que estão derretendo. Até agora a redução é gradual, mas daqui algumas décadas ela pode repentinamente parar.
Em artigos recentes, cientistas mostraram que um algoritmo de machine learning pode prever esses pontos de inflexão em exemplos arquetípicos, assim como características do seu comportamento depois que a mudança ocorre. Essas técnicas, um dia, poderiam ser usadas na ciência do clima, ecologia, epidemiologia, entre outras áreas.
O algoritmo profético
Num artigo de 2021, Ying-Cheng Lai, físico da Universidade do Estado do Arizona, e seus colaboradores deram a um algoritmo com o qual trabalhavam um valor de um parâmetro que mudava lentamente, eventualmente levando o sistema do modelo até um ponto de inflexão – mas sem fornecer outras informações acerca das equações governando o sistema.
Essa situação faz referência a vários cenários do mundo real: sabemos que a concentração de dióxido de carbono na atmosfera está crescendo, por exemplo, mas não sabemos todas as formas em que essa variável influencia o clima.
A equipe descobriu que a rede neural treinada com dados poderia prever o valor em que um sistema finalmente se tornaria instável.
O interesse nesse problema surgiu quatro anos atrás, com os resultados do grupo de Edward Ott, pesquisador do caos na Universidade de Maryland. A equipe de Ott descobriu que um tipo de algoritmo chamado de rede neural recorrente poderia prever a evolução de sistemas caóticos estacionários (que não possuem pontos de inflexão).
A rede se baseava em registros do comportamento passado do sistema caótico, sem informação acerca das equações subjacentes. Em um novo artigo de Ott e seu graduando Dhruvit Patel, explora-se o poder preditivo das redes neurais que observam o comportamento de um sistema sem saber o parâmetro subjacente responsável por levar até um ponto de transição.
Eles forneceram a rede neural com dados registrados num sistema simulado, enquanto o parâmetro permanecia oculto da rede. Em muitos casos, o algoritmo podia prever o início da transição e fornecer uma distribuição de probabilidade de possíveis comportamentos após o ponto de inflexão.
Pesquisando o caos
Patel e Ott também consideram uma classe de pontos de inflexão que marcam uma mudança importante num comportamento.
Suponhamos que o estado de um sistema seja traçado como um ponto movendo-se em torno de um espaço abstrato de todos os seus estados possíveis. Sistemas que passam por ciclos regulares traçariam uma órbita repetitiva no espaço, enquanto uma evolução caótica teria uma aparência emaranhada e confusa.
Um ponto de inflexão pode fazer com que uma órbita fique fora de controle, mas permaneça na mesma região, ou que um movimento inicialmente caótico se espalhe para uma região maior. Nesse caso, a rede neural pode encontrar pistas do destino do sistema codificado em sua exploração anterior de regiões relevantes do estado do sistema.
Situações mais desafiadoras incluem um sistema que é repentinamente expulso de uma região e sua evolução posterior se desenvolve numa região distante. Essas transições são “histeréticas”, ou seja, não são facilmente reversíveis, mesmo que um parâmetro causador seja reduzido.
Esse tipo de situação é comum: mate o número suficiente de predadores de um ecossistema, por exemplo, e toda a dinâmica pode fazer a população de presas explodir repentinamente; adicione o predador de volta e a população continuará a mesma.
Espera-se que os estudos sirvam para novas pesquisas envolvendo algoritmos de deep learning. Se o reservatório de dados de um computador puder suportar métodos mais intensos, seria mais provável estudar pontos de inflexão em sistemas mais largos e complexos, como o ecossistema e o clima da Terra.