Nanoestruturas em fontes hidrotermais profundas criam energia sem vida, e isso pode revelar segredos sobre a origem da vida na Terra

Daniela Marinho
Canais de fluidos de ventilação (asteriscos amarelos) e padrões de linhas periódicas (setas vermelhas) nas fontes hidrotermais. Lee et al., Nature Communications, 2024

Nas profundezas abissais do Oceano Pacífico, a uma impressionante profundidade de quase 6.000 metros abaixo do nível da Fossa das Marianas, encontra-se um fascinante conjunto de fontes hidrotermais. Essas fontes, que jorram águas aquecidas e ricas em minerais, podem ser a chave para desvendar alguns dos mistérios fundamentais sobre como começou a vida na Terra.

A descoberta foi revelada em um estudo recente publicado na Nature Communications, conduzido por uma equipe de pesquisadores do Instituto de Pesquisa Científica Riken e do Instituto de Tecnologia de Tóquio, ambos localizados no Japão.

O que torna esse grupo de fontes hidrotermais especialmente interessante é sua capacidade extraordinária de gerar energia de forma autônoma, sem depender de células vivas para esse processo.

As fascinantes nanoestruturas

Os cientistas identificaram a presença de nanoestruturas localizadas ao redor das aberturas das fontes hidrotermais. Essas nanoestruturas possuem a capacidade de atuar como canais iônicos seletivos, funcionando de maneira análoga a filtros subaquáticos. Isso significa que elas permitem a passagem de certos tipos de partículas, enquanto bloqueiam a entrada de outras, criando assim uma distinção entre os diferentes componentes químicos presentes em águas profundas.

Através desse processo de seleção, uma diferença de voltagem, embora pequena, mas extremamente significativa, pode ser gerada. Essa descoberta é semelhante ao que ocorre nos canais orgânicos encontrados nas membranas de nossas próprias células.

O aspecto mais intrigante dessa descoberta é que, neste caso, não está presente nenhum material orgânico. Isso levanta a hipótese de que a geração de energia, conhecida como conversão de energia osmótica, pode ter sido implementada na Terra em uma época anterior ao surgimento da vida, criando um ambiente propício para uma eventual formação de células vivas.

O bioquímico Ryuhei Nakamura, do Instituto Riken, ressalta a importância dessa descoberta, afirmando: “A formação espontânea de canais iônicos descobertos em fontes hidrotermais profundas tem implicações diretas na origem da vida na Terra e além.”

Fontes hidrotermais

As fontes hidrotermais são regiões do fundo oceânico onde a crosta terrestre apresenta pontos de fragilidade, permitindo que a água do mar penetre em seu interior. Ao se infiltrar nas camadas profundas da Terra, essa água entra em contato com o magma, o que eleva drasticamente sua temperatura.

Posteriormente, essa água aquecida e cheia de energia retorna ao oceano, carregando consigo uma rica variedade de minerais. Devido a essa combinação de calor e elementos químicos, muitos cientistas acreditam que as fontes hidrotermais em grandes profundidades podem ter desempenhado um papel fundamental nos processos que deram origem à vida terrestre.

No caso das fontes hidrotermais estudadas nesta pesquisa específica, elas são compostas por uma complexa mistura de minerais, o que as torna especialmente intrigantes para os cientistas.

Controle do fluxo líquido

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Imagem óptica da área de varredura. Lee et al., Nature Communications, 2024

Ao analisar detalhadamente uma amostra de 84 centímetros de hidróxido de magnésio, os cientistas observaram que os cristais cuidadosamente organizados em padrões retos, formam canais que regulam o fluxo do líquido através das aberturas. Esse controle preciso no movimento do fluido resulta na criação de uma diferença de tensão na superfície do material, o que é uma característica de grande relevância.

“Inesperadamente, descobrimos que a conversão de energia osmótica, uma função vital na vida moderna de plantas, animais e micróbios, pode ocorrer de forma abiótica em um ambiente geológico”, afirma Nakamura.

Energia azul

Além de fornecer pistas sobre a origem da vida, essas descobertas podem contribuir para o desenvolvimento e coleta da energia azul, uma forma de geração de eletricidade que utiliza a energia osmótica, explorando as diferenças entre a água salgada e a água doce.

Mais importante ainda, essas descobertas nos aproximam de entender como a vida orgânica pode ter surgido a partir de materiais inorgânicos, possivelmente em ambientes como as fontes hidrotermais, bilhões de anos atrás. Embora existam muitas teorias sobre o início da vida, essas fontes podem ter desempenhado um papel essencial.

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