Fóssil de neandertal com síndrome de Down mostra altruísmo em humanos primitivos

Um fóssil de uma criança neandertal com síndrome de Down sugere que os neandertais cuidavam de membros deficientes em seus grupos.

Felipe Miranda
Imagem: Nikola Solic/Reuters

Homo neanderthaliensis, ou homem de Neandertal, é uma espécie humana que chegou a conviver no planeta com o Homo sapiens (a nossa espécie), mas acabou sendo extinta, muito provavelmente pela competição. Entretanto, por se tratar de uma espécie humana, ela apresenta muitas semelhanças com os sapiens.

O fóssil se trata de uma criança de aproximadamente seis anos de idade. Ela apresentou perda auditiva e problemas de equilíbrio, mas sobreviveu até essa idade, demonstrando que recebeu cuidados parentais por muitos anos, até que chegou sua morte.

Isso vai um pouco contra o que pensava-se da comunidades humanas pré-históricas. Se a criança sobreviveu até seis anos de idade, ou seja, além da amamentação, significa que não apenas sua mãe deu os cuidados necessários, mas toda a comunidade no entorno, mesmo que a criança apresentasse a condição genética.

O estudo foi publicado no periódico Science Advances.

Uma criança neandertal com síndrome de Down

O fóssil da criança neandertal com síndrome de Down foi descoberto em 1989 no sítio arqueológico de Cova Negra, na Espanha. Entretanto, no momento, não foi dada tanta importância ao fóssil. O fóssil é formado por dois ossos temporais – as cavidades laterais do crânio e que ajudam, também, a formar a base do mesmo. O osso ajuda na proteção do cérebro e circunda o canal auditivo.

Recentemente, pesquisadores resolveram examinar o fóssil, que preservava toda a anatomia do ouvido interno em detalhes bastante completos. Assim, os pesquisadores encontraram traços que indicavam a condição da síndrome de Down na criança. Essa se tornou, assim, a evidência mais antiga que se tem notícia da condição.

Descoberto fóssil de criança neandertal com síndrome de Down
Imagem: CONDE-VALVERDE et. al.

O fóssil foi chamado de ‘Tina’. Embora seja um nome feminino, os pesquisadores não têm certeza se o fóssil foi uma menina ou um menino.

“A patologia que esse indivíduo sofreu resultou em sintomas altamente incapacitantes, incluindo, no mínimo, surdez completa, ataques de vertigem graves e incapacidade de manter o equilíbrio”, disse ao The Guardian Mercedes Conde-Valverde, paleoantropóloga da Universidade de Alcalá, na Espanha. A cientista é a principal autora do estudo.

Foram esses fatores que indicaram aos pesquisadores o nível de suporte que a criança neandertal com síndrome de Down precisava receber em seu dia a dia, constantemente.

“Diante desses sintomas, é altamente improvável que a mãe sozinha pudesse ter prestado todos os cuidados necessários ao mesmo tempo em que atendia às suas próprias necessidades. Portanto, para que Tina tenha sobrevivido por pelo menos seis anos, o grupo deve ter assistido continuamente a mãe, seja aliviando-a nos cuidados com a criança, ajudando em suas tarefas diárias, ou ambos”, explica Conde-Valverde.

Isso demonstra que havia um altruísmo entre os neandertais, e que mesmo as pessoas que não poderiam dar algo em troca ao grupo (como ajudar a caçar) recebia os cuidados necessários.

“Durante décadas, sabe-se que os neandertais cuidavam e cuidavam de seus companheiros vulneráveis”, disse Conde-Valverde ao The Guardian. “No entanto, todos os casos conhecidos de cuidados envolveram indivíduos adultos, levando alguns cientistas a acreditar que esse comportamento não era um altruísmo genuíno, mas apenas uma troca de assistência entre iguais”

A criança possuía diversas deficiências em decorrência da condição genética, e mesmo assim recebeu cuidados de todo o grupo.

“O que não se sabia até agora era um caso de uma pessoa que havia recebido cuidados extra-maternos desde o nascimento, mesmo que a pessoa não pudesse retribuir. A descoberta do fóssil da Cova Negra sustenta a existência de um verdadeiro altruísmo entre os neandertais.”

“A sobrevivência dessa criança, para além do período de amamentação, implica o cuidado grupal, provavelmente mais extenso do que o cuidado parental, típico de um contexto social altamente colaborativo entre os membros do grupo. Caso contrário, é muito difícil explicar a sobrevivência desse indivíduo até os seis anos de idade”, disse o pesquisador e coautor do estudo Valentín Villaverde.

Compartilhar