Imagine a Terra, há milhões de anos, fervilhando em meio a erupções vulcânicas de proporções titânicas. Agora, adicione a essa imagem relâmpagos vulcânicos eletrizantes, tornando as cenas ainda mais dramáticas. Esta, de acordo com pesquisadores, pode ter sido a fornalha na qual a vida floresceu, graças a um ingrediente essencial: o nitrogênio.
Em uma recente reunião da União Europeia de Geociências em Viena, os pesquisadores revelaram surpreendentes descobertas sobre o papel que antigas e gigantescas erupções vulcânicas podem ter desempenhado em semear nosso planeta com nitrogênio. Este elemento, um ingrediente fundamental para a formação de moléculas biológicas, como proteínas e DNA, pode ter sido fornecido por erupções ocorridas no que hoje são Turquia e Peru, sugeriu o vulcanologista Erwan Martin da Universidade Sorbonne, Paris.
A atmosfera terrestre é repleta de nitrogênio, compreendendo cerca de 78% de seu volume. No entanto, a forma na qual se encontra, composta por dois átomos firmemente ligados, só se torna útil à vida quando separada e combinada com outros elementos, formando nitratos. Hoje, alguns micróbios e processos industriais fazem isso, mas no início da história da Terra, algo não biológico teria que ter iniciado o processo.
Entre em cena o relâmpago. Este fenômeno natural de alta energia tem a capacidade de separar átomos de nitrogênio, que podem então se combinar com o oxigênio para formar óxidos de nitrogênio e, eventualmente, nitratos. Martin propõe que os relâmpagos vulcânicos, criados por partículas de poeira colidindo e carregando em plumas vulcânicas, poderiam ter proporcionado a intensidade necessária para um fornecimento significativo de nitrato.
Embora os relâmpagos que ocorrem diariamente em tempestades contribuam para a produção de nitrato, a quantidade produzida é relativamente pequena e dispersa por grandes áreas. No entanto, erupções raras e massivas, do tipo que acontece a cada 100.000 anos ou mais, poderiam fornecer muito mais.
A equipe de Martin examinou afloramentos na Turquia e no Peru ligados a erupções explosivas que ocorreram entre 20 milhões e 1 milhão de anos atrás. Estimam que cada erupção depositou, em média, cerca de 60 milhões de toneladas de nitrato. O nitrogênio encontrado nesses afloramentos tinha uma composição isotópica semelhante à do ozônio, sugerindo que foi formado na atmosfera e não no solo.
A vida pode ter começado há cerca de 3,7 bilhões de anos, muito antes das erupções estudadas por Martin. Entretanto, a Terra primitiva era um local de vulcanismo extremo e, segundo algumas teorias, esses vulcões e seus raios relacionados poderiam ter desempenhado um papel crucial no surgimento da vida, mesmo antes de os continentes estarem totalmente formados. Martin sugere que quantidades de nitrato semelhantes às estimadas em seu estudo poderiam ter sido produzidas em ilhas vulcânicas agora submersas.
A ideia de que os raios vulcânicos podem ter contribuído para o surgimento da vida é intrigante, diz Jeffrey Bada, químico marinho do Scripps Institution of Oceanography, em La Jolla, Califórnia. Ele ressalta, no entanto, que a composição da atmosfera primitiva, com pouco oxigênio, poderia ter levado à formação de amônia, não de nitrato. A amônia também é uma forma de nitrogênio que pode ser utilizada biologicamente.
Em resposta, Martin sugere que, em uma pluma vulcânica, água e outros compostos de oxigênio vindos do magma poderiam ter fornecido parte desse oxigênio. Ele acrescenta que, naqueles primeiros dias, “talvez não fosse nitrato, mas amônia – ainda é nitrogênio disponível para a vida.”
Portanto, enquanto ainda há muito a ser estudado e descoberto, a imagem que emerge é a de um planeta primitivo, cheio de erupções vulcânicas e raios, semeando as sementes da vida. Esse espetáculo de fogo e luz pode ter sido o estopim para a maravilhosa diversidade de vida que vemos em nosso planeta hoje.