Foi uma descoberta surpreendente, porque as galáxias semelhantes à nossa Via Láctea geralmente parecem conter 30 vezes mais da substância misteriosa do que a matéria normal, enquanto galáxias menores podem conter até 400 vezes mais.
A galáxia livre de matéria escura, chamada NGC 1052-DF2, fica a 65 milhões de anos-luz de distância na constelação de Cetus. Inicialmente, chamou a atenção dos astrônomos porque, embora seja do tamanho da Via Láctea, contém apenas 0,5% do número de estrelas.
“Isso faz com que seja muito difuso”, diz o principal autor do estudo, Pieter van Dokkum, da Universidade de Yale, em Connecticut, EUA. “Você pode olhar diretamente através dela. Você pode ver outras galáxias atrás dela”.
Foi descoberto por um telescópio especial de baixa tecnologia no Novo México chamado Dragonfly Telephoto Array , que consiste em um conjunto de lentes de câmeras de 400 milímetros do mesmo tipo usado por fotógrafos esportivos, e pode escanear o céu em busca de objetos grandes e escuros. Até agora, foram encontrados 23 delas, mas o NGC 1052-DF2 (o DF é para “Dragonfly”) se destacou porque não era apenas um grande e difuso borrão
“Ela também tem muitos pontos de fontes bastante compactas em seu interior”, diz van Dokkum.
Esses pontos provaram ser aglomerados globulares . Com a ajuda de instrumentos maiores, incluindo o Telescópio Espacial Hubble e o telescópio Keck de 10 metros no Havaí, a equipe de van Dokkum foi capaz de obter espectros de 10 desses aglomerados, procurando por mudanças no Doppler que revelariam a velocidade com a qual eles estavam se movendo.
Essas velocidades, por sua vez, revelaram a quantidade total de massa na galáxia, que poderia então ser comparada com a quantidade de massa vista em suas estrelas.
“Nós esperávamos que essa galáxia fosse bastante dominada pela matéria escura”, diz van Dokkum. “Isso significaria que as velocidades seriam bastante altas [porque] se houver muita massa, você terá maiores velocidades.”
Em vez disso, as velocidades eram baixas demais para serem medidas – em algum lugar abaixo de 10 quilômetros por segundo, ao contrário do que a equipe van Dokkum esperava. Como a matéria normal na galáxia teria produzido uma velocidade de oito quilômetros por segundo, van Dokkum diz: “basicamente não há espaço para a matéria escura. A quantidade máxima é de cerca de 400, pelo menos, abaixo do que pensávamos”.
Foi um achado inesperado e surpreendente. “Não é que estivéssemos à procura de galáxias sem matéria escura”, diz van Dokkum. Mas também tem implicações importantes, uma das quais é que realmente ajuda a provar que a matéria escura realmente existe.
O fato de que a matéria escura tem sido, até o momento, indetectável além de seus efeitos gravitacionais, às vezes levantamos duvidas para saber se ela poderia realmente ser uma ilusão criada por um erro em nossa compreensão da gravidade – um erro que faz parecer que essa tal substância misteriosa exista.
Mas a descoberta da NGC 1052-DF2 causa um sério golpe nessa teoria. Se a “matéria escura” não fosse nada mais que um artefato de um mal entendido da gravidade, ela deveria estar presente em todas as galáxias.
“Paradoxalmente, encontrar uma galáxia sem matéria escura prova que ela é real”, diz van Dokkum.
A descoberta também levanta questões sobre o modelo padrão da formação das galáxias.
Tradicionalmente, diz van Dokkum, acredita-se que a densidade da distribuição de matéria escura no início do Universo era o fator chave na criação das forças gravitacionais que atraíam a matéria bariônica, que então se condensava em estrelas e nas galáxias.
“A matéria escura é o guia que diz ao gás onde formar estrelas”, diz ele.
Mas no caso do NCG 1052-DF2, isso parece não ter acontecido. Por que, diz van Dokkum, “é completamente desconhecido”, embora ele e seus colegas observaram que a NGC 1052-DF2 é uma companhia da gigantesca galáxia elíptica NGC 1052, que pode ter desempenhado um papel importante. Talvez, dizem eles, em algum momento de sua turbulenta história, a NGC 1052 possa de alguma forma ejetar a matéria que formava a NGC 1052-DF2, mantendo a matéria escura.
O próximo passo, diz ele, é olhar para mais dos 23 objetos encontrados pela Dragonfly e ver se eles também são desprovidos de matéria escura.
“Se [NGC 1052-DF2] é o único sem matéria escura, você pode argumentar que algo altamente incomum aconteceu com ele”, diz ele. “Mas se houver mais de um, você terá que encontrar uma explicação mais fundamental.”
Outros cientistas concordam. “Encontrar mais galáxias com frações de matéria escura como essa ajudaria a resolver essa questão”, diz Katie Mack, astrofísica da Universidade Estadual da Carolina do Norte, nos Estados Unidos, que não fazia parte da equipe de estudo.
Enquanto isso, diz ela, a nova descoberta realmente demonstra que a matéria escura é um “tipo de substância verdadeiramente diversificado”, em vez de ser uma ilusão devido a um erro em nossa compreensão da gravidade. “Somente por ser uma coisa física real e separada, a matéria escura pode estar presente em alguns casos e ausente em outros”, explica ela.
Mas quaisquer que sejam suas ramificações astrofísicas, a nova descoberta provavelmente não tem muita relevância para o esforço de detectar a matéria escura de nossa própria galáxia que passam pela Terra, diz Benjamin Roberts, um pesquisador de matéria escura da Universidade de Reno, Nevada.
Atualmente, diz ele, os astrofísicos pensam que a matéria escura da nossa galáxia tem uma densidade de cerca de um terço da massa de um átomo de hidrogênio por centímetro cúbico. Essa é uma figura importante para as pessoas que tentam construir detectores de matéria escura, e a nova descoberta, diz ele, é um lembrete útil de que pode não ser precisa. Mas, ele diz, “é improvável que as circunstâncias especiais que levaram esta galáxia a ter tão pouca matéria escura se apliquem à Via Láctea”. [Cosmos]