Durante missões científicas na Antártica, pesquisadoras denunciam assédio e agressão sexual

Daniela Marinho
Jane Willenbring, a primeira a denunciar os crimes ocorridos na Antártica.

Em agosto de 1999, Jane Willenbring, uma jovem geóloga recém-formada pela Universidade de Stanford, embarcou em uma nova fase de sua jornada acadêmica ao ingressar no programa de mestrado em ciências da terra na prestigiada Universidade de Boston.

Antes dessa experiência, durante sua graduação na Universidade Estadual de Dakota do Norte, Jane dedicou-se ao estudo minucioso dos fósseis de besouros encontrados na Antártica. A pesquisa evidentemente revelou fascinantes descobertas sobre o passado remoto do continente congelado, evidenciando a existência de lagos de água doce há milhões de anos.

A empreitada despertou em Jane uma profunda consciência sobre a relevância desses estudos para compreender as complexidades das mudanças climáticas globais que afligem a Terra.

Movida por sua paixão pela ciência e seu desejo de contribuir para um futuro mais sustentável, Jane decidiu focar seus esforços na exploração dessas questões. Jane, no entanto, passou por situações de assédio e agressão sexual. Ela foi a primeira a denunciar publicamente o comportamento inadmissível; anos depois, outras mulheres contaram histórias de horror à medida que se desenrola uma investigação.

A história de Jane Willenbring, como tantas outras, marcada pelo assédio

Dos inúmeros geólogos de renome, poucos igualavam-se ao professor com quem Willenbring se juntou em sua jornada acadêmica em Boston: David Marchant, um acadêmico descontraído da Universidade de Boston (BU), cujo nome ecoava como uma estrela do rock no universo dos estudos geológicos.

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Jane Willenbring foi a primeira a revelar suas experiências de assédio na Antártica.

Em reconhecimento às suas significativas contribuições, o Conselho de Nomes Geográficos dos Estados Unidos concedeu a honra de nomear um glaciar a sudoeste da Estação McMurdo, principal centro de pesquisa na Antártica, em sua homenagem.

Depois de poucos meses após sua chegada, Willenbring se viu embarcando em uma expedição de pesquisa à Antártica ao lado de Marchant, cujo nome estava associado a um imponente pedaço de gelo. Para Willenbring, a situação tinha nuances de flerte: “Era quase como uma cantada”, recorda ela, ” ‘Eu tenho uma geleira’ “.

No entanto, foi o que ocorreu nos arredores da imponente geleira que motivou Willenbring a confrontar Marchant e se tornar pioneira em expor os desafios enfrentados pelas mulheres nos confins do mundo.

Em agosto de 2022, um relatório divulgado pela National Science Foundation, principal órgão financiador de pesquisas na Antártica, revelou uma realidade alarmante: 59% das mulheres em McMurdo e outras estações de campo sob a gestão do Programa Antártico dos Estados Unidos relataram terem sido vítimas de assédio ou agressão sexual.

Um ponto central nesse cenário é a presença da Leidos, empresa que detém um contrato governamental de 2,3 bilhões de dólares para administrar os locais de trabalho no gelo antártico. Entre os relatos, uma mulher alegou que um supervisor a agrediu fisicamente e a atacou sexualmente.

Britt Barquist, ex-chefe de combustível em McMurdo, compartilhou sua experiência de ter sido obrigada a trabalhar ao lado de um supervisor que a assediava sexualmente. Ela expressou a dificuldade de lidar com o trauma e a falta de apoio: “O mais angustiante foi dizer às pessoas: ‘Tenho medo dessa pessoa'”, disse ela, “e ninguém se importou”.

A coragem de denunciar

Em 2016, Willenbring denunciou Marchant por violações do Título IX. A Universidade de Boston prometeu investigar, levantando esperanças. Duas outras mulheres, incluindo Deborah Doe e Hillary Tulley, se uniram à ação, compartilhando experiências de assédio. O movimento #MeToo ganhava força, expondo casos e escândalos de abuso na Antártica. Willenbring enfrentou ameaças, mas persistiu.

Após investigação, a universidade determinou que Marchant assediara Willenbring, mas o recomendou para apenas três anos de suspensão sem pagamento. Insatisfeita, Willenbring continuou a luta. Em fevereiro de 2018, o site Grist revelou relatos de assédio, coerção e intimidação durante a viagem Homeward Bound à Antártica, destacando a persistência dos problemas na comunidade científica.

Foi somente em 12 de abril de 2019, que a Universidade de Boston demitiu Marchant por assédio sexual contra Willenbring. Apesar de negar as acusações, o caso ganhou ampla repercussão. A National Science Foundation encomendou um estudo que revelou relatos alarmantes de agressão e assédio sexual na Antártica.

#MeTooSTEM

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Imagem: Canva

O assédio contra mulheres cientistas na Antártica prejudica o progresso de pesquisadoras como Willenbring, comprometendo estudos cruciais sobre mudanças climáticas e assuntos correlatados.

Após dois anos da denúncia de Willenbring, o Conselho de Nomes Geográficos dos Estados Unidos removeu o nome de Marchant de uma geleira, em um gesto simbólico. Willenbring compartilhou a notícia no Twitter com a hashtag #MeTooSTEM.

A geleira, agora chamada de Matataua, em homenagem ao pico de uma montanha próxima, eleva-se muito além da Estação McMurdo – serve como um símbolo das mulheres que perseveraram na ciência, apesar dos obstáculos.

Caso na Antártica brasileira

Em 2017, na estação brasileira Comandante Ferraz, na Antártica, dois militares da Marinha enfrentaram a justiça. Acusados de abuso sexual contra uma pesquisadora brasileira, inicialmente foram absolvidos pela Justiça Militar da União. Contudo, após recurso do Ministério Público Militar, o Superior Tribunal Militar reverteu a decisão em 2023.

Um oficial e um praça receberam condenações distintas. O primeiro, por ato libidinoso em área militar, pegou um ano de detenção, convertida em prisão. O segundo, por atentado violento ao pudor, foi condenado a dois anos e oito meses de reclusão e excluído das Forças Armadas. O caso corre em sigilo.

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